A forja das grandes personagens, homens ou mulheres, são as não poucas dificuldades que hão-de vencer-se ao longo do caminho. A superação alcançada pelo engenho e arte, força de vontade e auxílio da graça, é o verdadeiro motor que a cada tempo oferece à sociedade e à Igreja homens e mulheres ímpares.
Frei Cirilo da Mãe de Deus, sacerdote carmelita e apóstolo do Menino Jesus, inscrevem-se neste elenco: talvez fosse homem de pequenina estatura, mas a têmpera era sadia e de boa cura, pelo que viesse o que viesse, tremesse ou não o mundo, afundasse o que se afundasse, ele estava do lado do Menino Jesus. E não houve dificuldade que o demovesse de apresentar ao mundo o poder gentil do Divino Menino Jesus de Praga.
Da última vez que vimos Frei Cirilo estava ele em oração, na sua pobre cela no Carmo de Malá Strana, de joelhos, diante da imagem do Menino Jesus de que ninguém parecia compadecer-se.
Batem discretamente à porta da cela. Frei Cirilo entreabre:
– Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
– Para sempre seja louvado. Irmão, chamam-no à igreja. É, como vê, um pouco a desoras, mas insistem que Vossa Caridade ali se apresente.
Prontamente e sem delongas percorre Frei Cirilo dois longos corredores sobre os quais já tinham descido os véus da noite. Depois do segundo alcança umas escadas que o levam aos claustros.
É o início da noite.
Encaminhando-se pela galeria mais próxima acede pela porta do cruzeiro à igreja conventual, a de Nossa Senhora da Vitória, onde reina como padroeira. Aguarda-o ali uma mulher que insistia em falar-lhe pessoalmente.
Vestida de penumbra a igreja brilha solene, como o acto que vai desenrolar-se. A dama aguarda-o de pé, irradiando esplendor, nobreza e doçura. Dirigindo-se a Frei Cirilo explica-lhe com palavras de doce sabor materno não desejar que aquele bendito convento do Carmo passasse uma dificuldade que fosse; e abrindo a mão entregou ao pobre frade apóstolo uma avultada soma de dinheiro…
Frei Cirilo estendeu as mãos e inclinou-se reverentemente, e antes que pudesse agradecer por palavras, já a misteriosa dama saíra igreja fora.
– E quem era tão misteriosa dama, inquiria o Prior do Carmo?
– Não sei dizer a Vossa Reverência, insistia Frei Cirilo.
– Mas…
– É como lhe digo: nunca antes a tinha visto, e não estou certo que meus olhos a voltem a ver!
E sim, jamais Frei Cirilo voltará a ver a nobre dama. Por isso, muito virá a lamentar-se nada lhe ter podido dizer, apesar do muito que, podendo, lhe teria dito! Frei Cirilo apenas sabe que não sabe dizer – apesar de ser tão loquaz – por que não fora capaz de dizer-lhe uma só palavra, uma palavra de gratidão!
Ah, caro leitor, cara leitora, deixa-me que te diga: posto de pé diante do Prior do Carmo está Frei Cirilo da Mãe de Deus; e embora não diga tudo, desde a primeira hora que o bom Carmelita está convencido – e por toda a vida jamais disso se separou – que foi da mão da Santa Mãe de Deus, a Senhora da Vitória, que recebeu tão avultada oferta. Os anos passaram e a neve desceu à cabeça de Frei Cirilo, que viveu sempre dedicado ao Menino Jesus e a Sua Mãe. E sim, jamais alguém alcançou convencê-lo do contrário, pois ainda agora ouve em seu coração aqueles serenos passos, dirigindo-se para fora da igreja. São passos gentis que ecoam levemente pelo templo, uns passos discretos como se fossem os da Mãe de Deus!
– Padre, retorquia o retorcido Prior, esta soma é avultadíssima. Mas não me venha com histórias, pois a Mãe de Deus não anda por aí com uma sacola a dar dinheiro para restaurar imagens!
– …; e Frei Cirilo, inclinando a cabeça e recolhendo as mãos por debaixo do Santo Escapulário, calava.
E concluiu o Prior:
– Durante o meu priorato estaremos dispostos a proceder ao restauro da imagem. Gastaríamos quando muito, a soma de meio ducado. Mas jamais gastaremos um ducado numa imagenzinha, isso nem pensar! Não vê as necessidades por que passamos? Não tem noção das prioridades?
Frei João Costa, ocd