Esta devoção, embora já muito conhecida, deve ser apresentada para que se possa apreciar a sua origem, os seus fundamentos, a sua importância e proveito.
A devoção ao Menino Jesus data de Belém; passou pelos anjos, por Maria e José, pelos pastores e pelos magos e é continuada pela Igreja ao longo dos séculos. Tomou o nome de Praga em circunstâncias muito concretas, iminentemente carmelitanas que depois se universalizaram a todo o Cristianismo.
Jesus nasce na Palestina. Sua mãe chamava-se Maria e seu pai José. A Ordem de Nossa Senhora do Carmo também nasce na Palestina e mais concretamente no Monte Carmelo. O Carmelo ontem como ainda hoje sempre foi um lugar de peregrinação. No dia 20 de Julho ali acorrem vindos das mais diversas partes de Israel, atraídos pela grande figura do profeta Elias, judeus, muçulmanos e cristãos. O culto ao profeta perdura através dos séculos. Este monte é habitado por uma presença, o profeta Elias, e com ele identificado. O mais normal é que Jesus, como bom judeu, ali também subisse acompanhado dos seus pais.
Os Carmelitas têm aqui a sua origem. A Ordem começou com os cruzados, idos da Europa para conquistarem os lugares santos dominados pelos muçulmanos que destruíam tudo o que cheirasse a cristianismo. Depois da reconquista muitos destes cruzados já não regressaram à Europa. Ficaram por ali, alguns deles dedicados a uma vida cristã mais intensa. A montanha do Carmelo pelo seu esplendor e beleza era um lugar atraente. Ali se instalaram alguns e como a figura e presença do profeta Elias dominava o monte começaram a viver ao modo de Elias. Este profeta foi diferente de todos os outros. Enquanto o profeta é o homem de Deus no meio do seu povo para ser um chamamento permanente à santidade, o profeta Elias vivia na solidão, totalmente isolado. Somente descia à povoação quando havia algum desregramento moral, como no caso do rei Acab.
O zelo pela glória de Deus devorava-o. Com este seu modo de vida ele testemunhava que Javé era um Deus vivo e só isto justificava a sua existência. Vivia na presença do Senhor e de tal maneira estava dominado por esta presença que fez o repto aos sacerdotes do deus Baal.
Estes homens que imitam o profeta acabam por se juntarem em grupos, grupos estes que tomam o nome de “lauras”. Uma destas “lauras” era animada por um homem de grande envergadura espiritual Bertoldo, mais tarde S. Bertoldo. A este sucedeu S. Brocardo. Como esta comunidade já tinha grande consistência e pujança espiritual, para que tivesse mais estabilidade, Brocardo dirige-se ao Patriarca latino de Jerusalém, que vivia em São João de Acre, perto do Carmelo, e pede-lhe uma Regra de vida. Alberto de seu nome, mais tarde Santo Alberto, que conhecia a vida que levavam estes homens pois com eles passava algum tempo, dá-lhes uma Regra (1209) “conforme o modo de vida” que eles viviam.
O Patriarca exorta-os a viver “em obséquio de Jesus Cristo”. Aquele e outros lugares trazia-lhes constantemente à memória a pessoa de Jesus, o Jesus histórico. Unidos à pessoa de Jesus estão Maria e José. Os pais de Nossa Senhora, São Joaquim e Santa Ana, avós de Jesus, também não são esquecidos; ainda hoje fazem parte do Calendário litúrgico do Carmelo.
Os Carmelitas vão-se espalhando por toda a Palestina.
Os lugares santos voltam a cair nas mãos dos muçulmanos. Estes destroem tudo o que é cristão. Os Carmelitas para não serem todos dizimados emigram para a Europa, para os seus lugares de origem. A Ordem que tinha um forte cunho eremítico para poder subsistir tinha que se adaptar a Ordem mendicante. Esta adaptação não foi fácil. Surgiram problemas de toda a ordem. Num destes momentos de desorientação, o Geral da Ordem, S. Simão Stock, coloca a Ordem nas mãos de Nossa Senhora uma vez que o Carmelo era “todo mariano”. Maria aceita o repto e em 1251 aparece a S. Simão e entrega-lhe o Escapulário como sinal de protecção. A partir deste momento tudo começa a correr sobre rodas. Abrem-se novos conventos. Funda-se o primeiro na península ibérica em Moura, Alentejo, em 1251.
Como todas as Ordens religiosas também o Carmelo teve o seu período de decadência. Deram-se vários intentos de reforma mas nenhum teve o sucesso desejado, até que no século XVI apareceu Teresa de Jesus e João da Cruz que levam a cabo a reforma da Ordem. Como nem todos os religiosos estavam dispostos a aceitar a reforma e para que a convivência entre os reformados e não reformados não se tornasse dramática, o Papa Clemente VIII por meio de uma Bula, datada a 20 de Dezembro de 1593 confirmou a separação total. Os reformados tomam o nome de Carmelitas Descalços. Descalço quer dizer reformado.
O Carmelo teresiano, reformado por Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz, volta às origens da Ordem, ao seu espírito primitivo. Mas não se trata somente de restaurar os autênticos valores carmelitanos desfigurados pelo passar dos tempos, senão desenvolvê-los e levá-los ao seu florescimento e maturação. Por isso mesmo a devoção à Santa Infância de Jesus obtém o máximo desenvolvimento na Ordem. Já não se trata simplesmente de uma devoção mas faz parte integrante da sua espiritualidade, da sua vida e doutrina.
Os reformadores do Carmelo sentiam especial simpatia pelo Menino Jesus. Todo o cristão que toma a sério o seguimento de Jesus escolhe o momento na vida de Cristo que lhe sirva de caminho seguro. Foram vários os escolhidos pelos reformadores do Carmelo e entre eles, como preferido, está o da Santa Infância de Jesus.
Santa Teresa enraizou a Infância de Jesus nos seus conventos, além do exemplo da sua vida, com dois meios muito eficazes: as belas imagens do Menino Jesus que ia deixando em todas as suas fundações como oferta de despedida e os costumes santos nelas deixados de forte conteúdo cristológico referidos a essa época da vida de Jesus.
Uma das aparições mais consoladoras que teve Santa Teresa de Jesus foi a de Jesus adolescente. Teresa, arroubada pela beleza do menino, pergunta-lhe: «Como te chamas?» E o encantador menino, em vez de lhe responder, faz-lhe também a pergunta: «E tu como te chamas?». Teresa diz-lhe: «Sou Teresa de Jesus». E o Divino Infante responde em tom divinamente amistoso: «Pois Eu sou Jesus de Teresa». E desaparece.
Este encontro memorável com o Menino Jesus na escadaria principal do convento da Encarnação de Ávila, em 1563, marca profundamente a sua vida. Teresa fica ligada a Jesus como o apelido ao seu nome, por ela voluntariamente escolhido, o que fez com que muitas das suas filhas e filhos lhe seguissem o exemplo. É interminável o número de religiosas e religiosos que tomam o apelido de Jesus ou do Menino Jesus.
Também São João da Cruz é um enamorado do Menino Jesus. Como Santa Teresa era amigo das representações ao vivo, dos mistérios da Santa Infância de Jesus, para que os seus religiosos vissem o amor infinito de Deus ao homem. Estas e outras práticas de devoção à Santa Infância de Jesus passaram de geração em geração, até aos nossos dias, para modelarem os religiosos carmelitas nas casas de formação.
O tempo do advento era vivido com particular atenção. Enquanto mestre de noviços e estudantes São João da Cruz fazia todos os dias a procissão do Menino Jesus pelo claustro das celas dos religiosos pousando o Menino cada dia na cela dum religioso. Este passava esse dia e noite velando o Menino Jesus.
Uma das cenas mais reveladoras da vida de São João da Cruz tem lugar em 1585 no convento das Madres Carmelitas de Granada. O santo extasiado diante de uma belíssima imagem do Menino Jesus, fora de si, toma-a nos braços e dançando canta: “Meu doce e terno Jesus, se amores me hão-de matar, agora têm lugar”.
Esta devoção à Santa Infância de Jesus que foi suscitando no mundo, ao longo dos séculos, várias correntes a impulsos do Carmelo, cristalizou, por fim, na vida e doutrina, no famoso “Pequeno caminho” da Infância espiritual de Santa Teresa do Menino Jesus. É neste contexto que aparece o Milagroso Menino Jesus de Praga.
A esta Ordem religiosa cabe a glória de ter introduzido e desenvolvido na Igreja de Deus esta energia espiritual que chegará a tomar corpo doutrinal na célebre Padroeira das missões católicas, Santa Teresa do Menino Jesus.
O terreno carmelitano estava bem preparado para que nele germinasse a flor belíssima do Milagroso Menino Jesus de Praga. Vejamos como tudo começou.