E o Verbo fez-se Homem e veio habitar connosco.
Jesus Cristo não usou nenhuma fórmula ou definição para falar do Pai. Não usou expressões como Santíssima Trindade, ou, simplesmente, Trindade. Esta expressão, porém, foi a melhor encontrada para exprimir uma verdade fontal da nossa fé, dada a conhecer pela encarnação, que nos manifesta o mistério de um só Deus em três pessoas divinas. Na verdade, o mistério do Verbo feito carne leva-nos a distinguir três pessoas em Deus. É só o Verbo que encarna, mas não se pode descobrir e entender a sua identidade, se não se reconhece nele o Filho enviado pelo Pai, ponto de referência permanente de Jesus, que comunicará o Espírito Santo, o seu Espírito e do Pai, nele sempre presente e actuante, e a vida de toda a vida.
No decurso de toda a Sua vida, Jesus foi dando a conhecer, de maneira progressiva, mas muito clara, as Suas relações com o Pai e o Espírito Santo, introduzindo-nos assim no mistério de Deus, trino-uno. É assim que, depois da ressurreição, nos últimos encontros com os apóstolos, Jesus se refere já, explicitamente, às pessoas da Santíssima Trindade, presença, fundamento e impulso de vida para a missão universal a que chama os mesmos apóstolos e discípulos (cf. Mt 28,18-20; Jo 20,21-22).
O mistério da Santíssima Trindade, manifestado em Jesus Cristo, é um mistério de amor, de um Deus Pai que se comunica à humanidade, e, num gesto de infinita bondade, ternura e magnanimidade, lhe dá o Seu Filho, o qual encarnando e entregando-Se totalmente aos homens, até à morte de cruz, por sua vez, dá aos mesmos homens o Espírito Santo que o Pai Lhe confia. É assim que a humanidade tem acesso ao Transcendente, quando já estava capaz de captar a sua revelação plena, transcendente que não é mais do que a intuição e o pressentimento do mistério de Deus, a Santíssima Trindade, não às apalpadelas e por tentativas, mas de facto em vida e verdade, conduzida, guiada e ensinada, pelo único mestre detentor da sabedoria divina, Jesus Cristo.
No Verbo Divino humanado, o homem pode tocar Deus. Pelo Verbo, caminho, verdade e vida, participamos da vida de Deus e entramos na Trindade, nascemos para a Família divina, não pela filiação natural, que essa só pode ser a de Jesus Cristo, mas pela filiação adoptiva, não pelos laços da carne, mas pelos do Espírito, mais vitais até que os da carne, porque assume e integra os da carne. A humanidade atinge o nível espiritual divino, superior e máximo, na escala dos seres, com a divinização do nível humano em Jesus Cristo e dele difundida e perpetuada na mesma humanidade.
Esta é a realidade da Igreja e do Reino de Deus, nascidos do amor fontal do Pai que, em Seu Filho feito homem, Jesus Cristo, nos faz participantes da Sua mesma vida. Dando-nos o Espírito Santo, a vida de Deus-Trindade, a sua força transformadora, faz acontecer a nova humanidade, plena e definitiva.
Que poderemos saber, conhecer, penetrar, aprofundar e experimentar do mistério inefável de Deus-Trindade? Tornou-se tão evidente e existencial esta verdade trazida e revelada na encarnação do Verbo, em Jesus Cristo, verdade de um só Deus, uno em essência e trino em pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, de uma Trindade una e indivisa, a Santíssima Trindade, que ela é uma verdade de fé indubitável, desde as origens do Cristianismo, proclamada no credo, o Símbolo dos Apóstolos e síntese da nossa fé, constantemente invocada e pronunciada na oração da Igreja e dos cristãos. A Santíssima Trindade constitui o núcleo central e polarizador de toda a vida cristã. Religiões naturais intuíram esta realidade personificando a divindade que adoravam em trindades, como aconteceu na religião dos egípcios com Osíris, Íris e Horus.
Mas que são pessoas? A palavra pessoa deriva de “persona”, palavra, originalmente, empregada para designar personagem, que não era mais que a máscara com que os actores se apresentavam no teatro. Era a figura e o aspecto com que eles se apresentavam, o que deles se via. Ao ser aplicada aos seres humanos e à Trindade de Deus, não significava nada de minimizador, falso ou de fingido. A pessoa era aquilo que se via, que aparecia e podia definir e distinguir cada ente humano. Não se referia tanto aos indivíduos como tal, mas às características que revestiam, a partir da sua realidade subjacente.
Isto pode ajudar-nos a compreender melhor o que se queria significar com a palavra pessoa, quando se começou a usar a expressão “um só Deus, três pessoas, num só Deus verdadeiro”, três “persona”, três figuras, três facetas diferentes e distintas de uma só e mesma realidade, por isso um Deus uno e indivisível, trino em pessoas. Por isso, é trindade de pessoas e una, indivisa. Poderíamos assim dizer, adequadamente, que Deus é paternidade, filiação e comunhão de amor, é paternidade pura, filiação pura, amor puro, na dinâmica da comunhão de uma e mesma vida, incessantemente circulante, donde toda a paternidade, filiação e comunhão de amor, toda a família, tiram o nome.
Vamos, uma vez mais, preparar-nos para a celebração do Natal. E fazemos bem celebrá-lo, pois, pelo que fica dito, foi através de Jesus que tivemos e temos acesso ao mistério da Santíssima Trindade, a este altíssimo mistério, o mistério dos mistérios, já que a Trindade Santa é a fonte e a origem de tudo quanto existe, existiu e existirá, fonte nunca esgotada, sempre nova e fresca.
São João da Cruz consegue fazer-nos entender o que é “mistério” num belo poema em que repete como refrão “Bem eu sei a fonte que mana e corre, embora seja noite”, numa expressão poética feliz da realidade envolvente da palavra mistério, e, neste caso, do mistério da Santíssima Trindade.
P. Vasco Nuno, ocd