O regresso dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35) é uma das imagens bíblicas que melhor explica a Eucaristia. Quando o Povo de Deus se reúne em nome do seu Salvador começa o caminho para Emaús ao lado de um Desconhecido (ritos iniciais), esse Desconhecido durante o caminho explica o sentido das Sagradas Escrituras (Liturgia da Palavra), cria-se uma relação de intimidade entre o Desconhecido e os discípulos e partilham uma refeição (Liturgia Eucarística), durante a refeição o Desconhecido parte o pão e os discípulos reconhecem n’Ele o Conhecido.
Desde o Mensageiro da Páscoa de 2018 a esta parte temos vindo a fazer, nestas reflexões dedicadas à Eucaristia, um caminho de descoberta do sentido dos momentos e dos gestos da celebração dominical. É chegado o momento de aventurar-nos na Liturgia Eucarística.
A liturgia da Palavra remete para o memorial da Páscoa de Jesus, que celebramos agora na segunda parte da Eucaristia. Antes de prosseguir é importante aclarar o que se entende por memorial. Ao celebrar a Última Ceia, em concreto o sinal profético do pão e do vinho, estamos a fazer-nos presentes no momento da entrega de Jesus para salvação dos homens na Cruz. O segredo para entender a teologia do memorial é este: ao celebrar este memorial tornamo-nos contemporâneos do Crucificado e, com ele participamos da sua entrega ao Pai.
Junto a Cristo, no seu único e definitivo sacrifício salvífico, oferecemos também a nossa própria vida. Ao oferecê-la, em favor dos outros, não estamos apenas a unir-nos a Jesus e a Deus Pai, mas também à Igreja, enquanto corpo místico de Cristo, formado por discípulos de Jesus em comunhão. Ao pedir, durante a oração eucarística – oração principal desta segunda parte -, que o Espírito Santo obre em nós esta união estamos a antecipar o futuro, a vida eterna, na qual participaremos da unidade de Deus Trindade.
Este Memorial da Última Ceia é uma ordem do próprio Jesus: «fazei isto em minha memória» (Lc 22, 19). «Obediente ao mandato de Jesus, a Igreja dispôs a Liturgia Eucarística em momentos que correspondem às palavras e aos gestos realizados por Ele na vigília da sua Paixão. Assim, na preparação dos dons levam-se ao altar o pão e o vinho, ou seja, os elementos que Cristo tomou nas suas mãos. Na Prece eucarística damos graças a Deus pela obra da redenção, e as ofertas tornam-se o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. Seguem-se a fração do Pão e a Comunhão, mediante a qual revivemos a experiência dos Apóstolos que receberam os dons eucarísticos das mãos do próprio Cristo» (Papa Francisco, Audiência Geral 28 de fevereiro de 2018).
Na Liturgia Eucarística podemos distinguir três partes, como destaca o Papa Francisco na catequese citada: 1) preparação dos dons; 2) oração eucarística; e 3) fração do pão e Comunhão.
Na véspera da Paixão do Senhor, o evangelista Lucas apresenta-nos Pedro e João a preparar o local onde Jesus celebrou a ceia pascal (cf. Lc 22, 7-13). Tal como estes dois discípulos, os cristãos no início da Liturgia Eucarística preparam tudo o que é necessário para o memorial. O povo entrega ao sacerdote os seus dons, por meio das pessoas designadas para recolher as ofertas. Por meio das oferendas, o louvor, o sofrimento, a oração e o trabalho de cada fiel unem-se aos de Cristo, na sua oblação total. «Sem dúvida, a nossa oferta é pouca coisa, mas Cristo tem necessidade deste pouco. O Senhor pede-nos pouco e dá-nos muito. Pede-nos pouco. Na vida diária, pede-nos a boa vontade; pede-nos um coração aberto; pede-nos a vontade de ser melhores, para receber Aquele que se oferece a si mesmo a nós na Eucaristia; pede-nos estas oblações simbólicas que depois se tornarão o seu Corpo e o seu Sangue» (Ib.).
O sacerdote, como parte da oferenda, recebe o pão e o vinho, ao qual adiciona um pouco de água, como Jesus fizera, e apresenta os dons ao Senhor. O pão é, para o mundo judaico de Jesus, o alimento de base, além de ser um dos alimentos mais citados em toda a Bíblia (375 vezes). O vinho também aparece bastantes vezes nas Escrituras (219 vezes), sendo aí símbolo da alegria que Deus oferece ao homem. Jesus com a multiplicação dos pães no deserto (Mc 6, 30-44) e com a transformação da água em vinho (Jo 2, 1-11) faz deles um sinal do Reino de Deus.
A Preparação dos dons começa com a recolha e deposição das oferendas sobre o altar, continua com o sacerdote a lavar as mãos, expressão do desejo de purificação interior, e termina com a oração sobre os dons, que expõe o sentido das oferendas: o nosso desejo de que estes dons se tornem para nós sacramento da vida eterna.
Cada fiel, ao entregar as suas oferendas, entrega-se também a Deus por meio do serviço gratuito em favor dos mais pobres. Nisto consiste o nosso dever sacerdotal assumido no batismo: dar a nossa vida, junto com Cristo, para gerar salvação.
Carlos Vieira, ocd