Convidamos o leitor a começar por ler esta passagem evangélica e a meditá-la no seu coração, à luz das seguintes interpelações: “O Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem encontra”… Como entendes as realidades «tesouro», «campo», «homem»? Que poderá ser o tesouro, o campo? Quem poderá ser o homem? Serás tu um tesouro, cheio de tesouros e com o Tesouro? Se calhar ainda não descobriste todos estes tesouros, ainda não os encontraste… Saboreia, durante alguns momentos, os teus tesouros e alegra-te com a tua descoberta. Talvez seja necessário saber que Deus dá os tesouros em forma de semente e não de frutos.
Escuta, por exemplo, esta história: uma vez, uma mulher sonhou que entrou numa loja e ficou surpreendida porque quem atendia era o próprio Deus. Num primeiro momento, não podia acreditar no que via. Assustou-se. Mas era tão grande o sorriso de bondade que ganhou ânimo e foi conversar com ele. “Meu Deus, vós é que atendeis?”, perguntou. “Efectivamente” – respondeu Deus. “Sou eu que atendo”. “E eu posso comprar os tesouros que quiser para ser feliz”? “Sim, claro que sim. Podes comprar os tesouros que quiseres”. Então – disse a senhora -, quero levar saúde, felicidade, trabalho, amizade, amor, unidade, verdade, uma família perfeita, alegria, fé e muita esperança. E todos estes tesouros não apenas para mim e para os meus amigos, mas para todas as pessoas do mundo”. Deus começou a rir e disse-lhe: “Não percebeste, minha querida. Aqui vende-se esses tesouros todos, mas em semente, não em frutos”. E a mulher acordou.
«O reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo». Um tesouro foi escondido e revelado para todos nós. Quando o descobrimos, porque nos é revelado, agora, cheios de alegria tornamos a escondê-lo, de tal modo ele é grande e nos comove, tanto no plano afectivo, como no plano do conhecimento. E nós estamos dispostos a tudo para ver esse tesouro enterrado em nós, tesouro que não nos pertence ainda inteiramente.
Qual é este tesouro? Será a nossa vida? Sem dúvida. Seremos nós? Certamente. Serão as coisas que amamos? Com certeza. Este tesouro é o quê, é quem? É Deus de quem tudo vem e para quem tudo vai. Este tesouro é o nosso criador, a nossa vida; este tesouro é o nosso salvador, o nosso libertador, o nosso enamorado, a nossa vida inteira, o nosso caminhar, o nosso tudo. Este Deus é o homem, o Cristo Jesus, Senhor, princípio e fim de tudo, em quem se encontra a Trindade de Deus em nós. Este tesouro é, para nós, actualmente, toda a palavra e todo o acto d’Ele por nós e pelos outros. Este tesouro é o Seu amor real e fiel que nos cria e nos salva, que nos recriará e nos salvará mais uma vez e sempre. Este tesouro é a nossa vida escondida n’Ele, que encontramos; é Ele escondido em nós que encontramos, reencontramos, cada vez mais depois de ausências, abandonos, traições, ignorâncias, da nossa parte. Este Deus é espera e silêncio activos, carenciados, para que nós O encontremos cada vez mais e melhor.
Este tesouro é a nossa vocação, é a nossa vida em direcção a Ele pelos outros e nos outros, pelas coisas e nas coisas que são caminhos Seus, sinais Seus, e que nos dizem que elas são d’Ele, mas que não são ainda Ele, que jamais serão Ele. Porque Ele não tem limites e o resto é limitado, sobretudo nós próprios, confundidos pelo pecado e nos nossos pecados contra tudo e contra todos.
Este tesouro está em nós, mas é Deus. Se nós nos tornamos um tesouro, é por causa d’Aquele que está em nós, que nos dá o nosso ser, o nosso tesouro. Este tesouro é uma dinâmica de vida, de conhecimento, de criatividade, de comunicação, de geração, de amor, em processo permanente de preparação durante a nossa vida terrestre, e em finalização permanente durante esta mesma vida finalizada, que é celeste. Actualmente, a nossa vida consiste em procurá-lo, encontrá-lo, escondê-lo, voltar a escondê-lo, vender tudo, sem pensar no amanhã, segundo a nossa fé e a sua palavra, para O procurarmos cada vez mais, O encontrarmos, O conhecermos, O amarmos, comungarmos na Sua palavra e na Sua acção.
Cada pessoa é um tesouro que nos fala do tesouro. Cada dia, cada coisa estão aí para nós, para Ele, como um caminho, como uma paragem, um oásis, para continuarmos a procurar e a encontrar. Tudo é campo, mas tudo contém uma palavra, uma acção, um embrião-sinal d’Ele, graças ao seu evangelho, isto é, Ele a caminhar para nós, tanto em palavras como em actos, pelo seu Espírito Santo enviado para isto. O Espírito é o guia que nos leva a este tesouro que é Jesus Cristo, origem e fim de tudo, fonte de Deus, Pai de todos nós.
A parábola fala se nós a vivemos, se a realizamos cada vez mais, em tudo, para todos e por todos. Porque onde existe uma coisa, ou alguém, existe o campo; e onde se encontra o campo, encontramos o tesouro escondido, reescondido, encontrado, reencontrado, e a alegria. O que é importante descobrir, saber, viver, é que, mesmo que esta parábola nos diga que este tesouro está no campo, em cada coisa, em cada pessoa, ele não só não está lá identificado, contido como que numa caixa, mas que, pelo contrário, nenhuma coisa, nenhuma pessoa pode contê-lo; este tesouro de tal modo ultrapassa tudo e todos, que é antes nele e por ele que todas as coisas são contidas, existem, vêm a ser, passam, vão para Ele. O céu e a terra não podem conter o seu autor, o campo tão-pouco.
P. Vasco Nuno, ocd