De há uns tempos para cá perscruto-me e convenço-me de sintomas de velhice cada vez mais incisivos. Confio-vos um: embora no ler nunca tenha sido fluente — nunca gostando, por isso, de ler em público… — agora se me falha o mais pequeno raio de luz, ainda mais troco as letras.
Algumas trocas fazem-me sorrir, pois geram emparelhamentos estapafúrdios. Num dos últimos, em vez de ler covid — mas quem é que por estes dias não sabe ler c-o-v-i-d? — o meu cérebro soletrou e interiorizou covil. E quando houve de parar por falta de sentido, dei comigo a sorrir-me com o feliz achamento para o tema desta página.
Confesso desconhecer as causas maiores da mortalidade infantil ao tempo do Santo Nascimento. Mas não nos serão, porém, difíceis de alcançar. O que já nos é mais difícil de imaginar (e de crer, e de aceitar, e de anunciar…) é: como é que sendo Deus, o Filho de Deus se fez homem? Como é que o Tudo-Todo se fez nada-nada? O Todopoderoso, todo falho de poder? O Grande, pequenino?
Meu Deus! Tão tudo e tão nada! Meu Deus pequenino, Deus bebé! Deus respirando, Deus dependente do leite do seio da Virgem! Deus a quem a Virgem mudou e lavou as fraldas! Meu Deus…
Meu Deus, Deus e bebé!
Quem, meu Deus, pode aceitar um Deus assim pequenino? Quem pode ter medo dum Deus que se anula, se esvazia, se empequenece? Um Deus necessitado? Pobre? Dependente? Quem pode aceitar um Deus assim, com frio, fome e sede?
Como aceitar um Deus que tem de crescer, precisando de carícias e beijos na barriga?
Acho que vou chorar, só de olhar o presépio!
Ah, meu Deus, meu Deus, Como é que tu, meu Deus, aceitaste vir para mim, como aceitaste nascer numa cova, ser emigrante e fugir às cavalitas dum burrico? Ai, meu Deus, meu Deus, com quantas insensatezes te pagamos tanto bem! Mas quem, afinal, poderá compreender o mistério da Encarnação? — Nem compreendê-lo e muito menos pagá-lo! Sim, que Deus tem de se contentar com muito pouco da nossa parte, que nada é o que temos para dar-Lhe.
Como compreender que Deus tanto se empequeneça, tanto se achique, tanto se humilhe, tanto se esvazie? Tanto… Como compreender?
Ah, mas aonde ia eu? Pois, ao covil. Isso, ao covil. Aí ia eu.
Foi feliz o Papa Bento XVI, quando disse qualquer coisa parecida com: Só alguém como a Virgem Maria para fazer duma cova num monte, um palácio para Deus. Pois é: cova, covil, isso é o Natal: Deus vindo para o mais mal frequentado mundo (se é que há outros mundos, claro!). E ao escolher este, não eleger um palácio para nascer, mas um sítio ruim, uma cova, um covil escuro!
Abandonando a glória e afundando-se num covil como um suspeito, Deus está a dizer o seu lado preferido da vida: o agora mais ruim e impreferido por nós, o covid.
NOTA: Senão tivermos missas de Natal não nos falte o presépio em casa e Jesus no coração.

João Costa