Se bem te lembras, leitor, leitora, no último texto deixei-te em suspenso sobre o que sucederia nos claustros do convento do Carmo de Malá Strana, em Praga, a casa do Menino Jesus, o Reizinho, que de um momento para o outro se viram a abarrotar de gente. Gente que fugia do perigo. Gente que chegava quase de mãos a abanar. Gente que precisava de refúgio. E não apenas os claustros, mas também a sacristia e a Igreja de Nossa Senhora da Vitória — tudo estava cheio como um ovo. Enfim, o Carmo revelara-se um apetecido recanto de paz e um refúgio para as gentes de Praga, que pela misericórdia dos frades carmelitas, ali se recolheram, sob o manto sagrado do Menino Jesus Rei. Se a protecção, mais e mais em tempo de guerra, nunca se nega a ninguém, e menos ainda aos perseguidos, uma coisa, porém, é certa: muito em breve vai ser preciso dar-lhes de comer. E quem os ajudará, se os frades pouco têm para si?

A coisa está negra, portanto. E o pobre prior do convento, antecipando o estalar da tragédia, coçava a cabeça à procura de solução: donde há-de vir comida para tanta barriga, pensava ele? Será que a decisão de acolher tanto desgraçado pôs a Providência à prova? E será isso legítimo da minha parte? Não estarei a desafiar a Deus? Estas e outras perguntas amolavam-lhe a cabeça e não o deixavam dormir. Meu Deus, pensava o pobre prior, no que eu me fui meter a mim e a meus frades!

Antes, porém, que te diga a solução do drama, deixa que te revele que os frades carmelitas saciaram a fome e a sede a cada um dos refugiados, durante todo o tempo que foi preciso! Não uma, mas duas vezes por dia, da pequena cozinha dos irmãos carmelitas de Malá Strana, descia comida quente e água fresca para todos. Não é coisa pouca, concordarás.

Como é que conseguiram isso, se levavam meses que quase não tinham eles que comer? Pois, não sei, nem talvez eles saibam. Sei é o que diz o velho alfarrábio de que algumas vezes te venho falando. Leio-o e até eu me espanto; mas comunico-te, sem mais, o que leio: Conta-se ali que depois de muito pensar e não vendo outra solução, o bom prior do Carmo mandou a seus irmãos que erguessem preces ao Divino Menino Jesus, pedindo-lhe socorro, sobretudo que afastasse as tropas inimigas que sitiavam a cidade, a fim de que ninguém perecesse.

Talvez sorrias, leitor, leitora. E a verdade é que o invasor não levantou prontamente as tendas, não, nem prontamente recolheu as armas. Mas, por fim, fê-lo, embora não sem zelosa demora. E se mais demorava o exército sitiante, mais rezavam os frades carmelitas, por que uma coisa é certa: os refugiados continuavam lá, dependentes das suas migalhas!

E então sucedeu a maravilha que ninguém ainda hoje sabe bem explicar: sucedeu que durante todo aquele tempo, nunca a fogueira da cozinha dos frades se apagou, nem as panelas deixaram de ferver, e sempre ali se foi preparando o comer para tantos homens, mulheres e crianças que deles dependiam. É verdade que as reservas dos frades eram escassas, mas algum milagre ali se deu, que nunca as tulhas se esvaziaram!

E não se pense que era coisa pouca, que os sitiantes demoraram em acalmar as suas bravatas e malfeitorias, e a organizar a retirada. Oh, se foi verdade! Como também foi verdade, que os que se recolheram sob o manto do Menino Jesus, se não engordaram, também não emagreceram!

E a cada novo amanhecer, um dia após outro, depois de passar a noite a sonhar com horas e horas de fome, acercava-se o pobre cozinheiro ao escritório do prior, perguntando-lhe: — Que cozinharei eu, hoje, para tanta gente, se ontem não deixei mais que um punhado de moado ou poalha, no fundo das tulhas? Que cozinharei? E o prior que não sabia que responder, incitava-o, dizendo-lhe: — Vá, Irmão. Vá e confie em Deus! Se Deus nos entregou aqueles pobres, que são Seus, não os ajudará Ele? Poderá Deus esquecer-se dos Seus filhos, se uma mãe jamais esquece a criatura que amamenta? Não é Deus melhor que uma mãe? Por isso, vá, Irmão, vá e confie em Deus!

E o descrente cozinheiro saía.

E um dia após outro, correndo, regressava sobressaltado ao escritório do prior, para anunciar esbaforido: — Acredita, Vossa Paternidade, que hoje não passaremos fome?! E continuava, solícito: — Saiba que as reservas de hoje são em igual quantidade e qualidade que as do primeiro dia, quando abrimos as portas aos necessitados, e que depois se renovaram ao segundo e ao terceiro dia, e por aí adiante, semana atrás de semana?

E assim sucedeu todo o tempo que o Carmo de Malá Strana acolheu os pobres da cidade de Praga!

Não sei mais que te diga; sei que quem estende a mão deve ter coração agradecido. E isso foi o que fizeram os bons frades carmelitas. Ao se aperceberem do contínuo milagre que acontecia sob o seu olhar, correram a agradecer o Divino Menino Jesus, pois essa é a verdade: como ia Ele deixar sofrer quem tão bem O venerava, demonstrando-lhe total amor e confiança?

João Costa