Ao contemplar a imagem da capa deste Mensageiro tudo me parece tão real, tão humano, tão divino! A Mãe curva-se e olha para o Filho – bendito é o fruto do teu ventre (Lc 1, 42) – que lhe retribui, com a mesma linguagem do olhar, o assombro, o amor e a adoração. Daquele ventre de Serva humilde – Pôs os olhos na humildade da sua serva (Lc 1, 48) – nasceu o Amor, Jesus: “E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida” (1Jo 4, 9). Ou como diria São João da Cruz no Romance In princípio erat Verbum: “A quem amar-te, meu Filho / a Mim mesmo me daria / e o amor que Eu te tenho / nesse mesmo Eu o poria / só por Ele ter amado / a quem Eu tanto queria” (nº 2).

No rosto de Maria, com um fundo de Sombra resplandecente do seu íntimo – O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra (Lc 1, 34) –, a Luminosidade estende-se ao Menino. A luz da graça, que reflecte no rosto da Mãe e do Filho, é de uma beleza incomparável. A cheia de graça – Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus (Lc 1, 30) – acolhe no mais profundo centro, na “substância da alma”, a Chama viva de amor, que é o Espírito Santo, que a faz viver em Deus e sentir vida de Deus: “O meu coração e a minha carne exultam no Deus vivo” (Sl 83, 3). Estes resplendores da graça dão “luz e calor ao seu Querido”. Nesta tenda do nascimento “a noite brilha como o dia” (Sl 138, 11), porque não havia outra luz nem guia senão a que no coração ardia – Feliz de ti que acreditaste…(Lc 1, 45) –. E tudo tão real, tão humano e tão divino!

A Mãe abaixa-se amorosamente sobre o Filho. “Abaixar-se amorosamente” é talvez uma das melhores e mais verdadeiras imagens de Deus. Jesus é o abaixamento do Amor de Deus à humanidade, libertando-a do pecado e enchendo-a de alegria. Com Santa Teresinha sou capaz de dizer: “Não posso temer um Deus que se fez tão pequeno por mim… Amo-o, porque Ele é só amor e misericórdia” (Ct 266). Na verdade, “a imagem de Deus a castigar as pessoas com guerras e catástrofes encontra-se hoje mais provavelmente entre os ateus do que entre os crentes… As pessoas inventaram um deus responsável pelas guerras, para se esquivarem à responsabilidade pelo mal humano no mundo” (Tomás Halík). João evangelista garante que “tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, a fim de que todo o que nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16). De facto, “o amor é a única força capaz de unificar as coisas sem as destruir” (Teilhard de Chardin).

De quando menino, lembro-me do Irmão Manuel fazer o presépio aqui, no Santuário do Menino Jesus, e colocar uma nascente a correr por entre pedras e areia. Então, lembro Etty Hillesum: “Dentro de mim há uma nascente muito profunda. E nessa nascente está Deus. Por vezes, consigo alcançá-la, a maior parte das vezes está coberta de pedras e de areia: nessas alturas, Deus está sepultado. Então há que voltar a desenterrá-lo”.

Se precisares de pedras e areia para fazer o presépio, tira-as da nascente que corre dentro de ti.

Agostinho Leal, ocd