Sabemos bem que as crianças são especialistas em embaraçar os adultos com perguntas demasiado complicadas para a nossa experiência de vida. Neste jogo de pergunta-resposta é preciso fazer-se pequenino, mergulhar na simplicidade, a fim de esclarecer e não complicar. Não vale a pena dizer “meias verdades”, nem atalhar com qualquer expressão já feita pensando que com isto não nos vão perturbar mais; pelo contrário é preciso sermos convincentes e pragmáticos para mais tarde não sofreremos as devidas reprimendas com juros de mora.
Há dias atrás, tive uma experiência deste género com o nosso filho Francisco. Surpreendeu-me quando saíamos do supermercado com a pergunta:
– Pai, como é que se fala com o coração?
Confesso o meu espanto com tal interrogação. Por alguns momentos dei por mim a pensar no que lhe havia de responder e ao mesmo tempo a tentar perceber o que teria feito despontar nele tal questão, atendendo ao contexto nada propício a isso em que nos encontrávamos.
Para ganhar algum tempo, disse-lhe para entrar no carro e que já falaríamos sobre o assunto. Foi nesse espaço de tempo que me surgiu a ideia de o levar a um sítio especial e que ficava ali a uns escassos minutos – a igreja paroquial de Fátima. Ao chegarmos, ainda dentro do carro, o Francisco perguntou-me:
– Porque é que viemos aqui?
Estamos aqui para eu te responder à pergunta que me tinhas feito, respondi-lhe. Como sabes, foi nesta igreja que foste baptizado.
– Pois foi, eu lembro-me de ver algumas fotografias a deitarem-me água na cabeça…, interrompeu o Francisco.
Sim, é verdade, confirmei. O baptismo tem vários símbolos, mas o mais importante é o facto de ele nos introduzir na grande família do povo de Deus, isto é, a Igreja, que está presente em toda a terra. Era aqui que os Pastorinhos vinham à Missa, à catequese e rezar.
– Mas então não era no Santuário?, perguntou ele.
Sabes Francisco, antes de haver o Santuário, já existia esta igreja paroquial. Era aqui que os pais dos Pastorinhos, os próprios Pastorinhos e as pessoas daquele tempo, se juntavam para louvar a Deus. Era também aqui que os Pastorinhos gostavam de estar a sós com Jesus, ou melhor, com “Jesus escondido”, como eles costumavam dizer.
– Ó pai, porque é que Jesus se esconde?
Pois é filho, é aqui que entra o coração. Quem tiver um coração bom e acreditar que Jesus nos salvou, sabe que Jesus está sempre connosco, apesar de não o vermos.
– A sério pai, Jesus anda sempre comigo?, interpelou ele.
Sim, Francisco, é verdade, Jesus está sempre connosco, repliquei.
– Mesmo quando eu vou andar no escorrega?, insistiu.
Não tenhas dúvidas, Francisco, quando conheceres bem Jesus, vais saber que Ele é o nosso melhor amigo e que sempre nos acompanha, nos bons e nos menos bons momentos da vida. Apesar de não O vermos, se estivermos atentos, há muitas situações em que O podemos sentir presente. É como o vento, não o conseguimos ver, mas sentimo-lo no corpo, ele abana as folhas das árvores e até produz energia.
Voltando aos Pastorinhos que vinham aqui rezar, deixa-me salientar de forma especial a figura do Francisco. Conta-nos a Irmã Lúcia que o «Francisco era de poucas palavras; e para fazer a sua oração e oferecer os seus sacrifícios, gostava de se ocultar até da Jacinta e de mim [Lúcia]. Não poucas vezes o íamos surpreender, atrás duma parede ou dum silvado, para onde, dissimuladamente, se tinha escapado, de joelhos, a rezar ou a pensar, como ele dizia, em Nosso Senhor, triste por causa de tantos pecados. Se lhe perguntava: – Francisco, por que não me dizes para rezar contigo e mais a Jacinta?
– Gosto mais – respondia – de rezar sozinho, para pensar e consolar a Nosso Senhor que está tão triste. (…) Quando ia à escola, por vezes, ao chegar a Fátima [igreja paroquial], dizia-me:
– Olha: tu vai à escola. Eu fico aqui na igreja, junto de Jesus escondido. Não me vale a pena aprender a ler; daqui a pouco vou para o Céu. Quando voltares, vem por cá chamar-me».
Como vês, filho, o pastorinho Francisco passou muitas horas diante do sacrário a fazer companhia a Jesus. Com poucas palavras, como que privilegiando a presença, pois o mais importante era estar aqui, a sós. Jesus e Francisco falavam de coração a coração. Para o Francisco o mais importante era consolar a Nosso Senhor e depois converter os pecadores. Para tal servia-se daquilo que ia no seu íntimo para o dizer a Jesus. Neste silêncio comprometido, exprimia o que sentia na certeza que o seu Amigo o compreendia melhor do que se ele dissesse mil palavras.
– Pai, obrigado. Acho que já entendi o que é falar com o coração, mas não sei se vou ser capaz de falar assim, interrompeu o Francisco com ar de preocupado.
Claro que vais; só o facto de o desejares já é meio caminho andado, disse eu, procurando sossegá-lo!
Virgem Maria, guardai-nos no vosso Imaculado Coração, sede o refúgio dos pecadores e conduzi-nos ao vosso Filho Jesus, a quem queremos ter sempre por amigo.
Delfim Machado