Aos meus 33 anos tive a graça de visitar, em Belém, a Igreja da Natividade. Para se entrar é preciso abaixar-se, ou fica-se de fora. A porta primitiva tinha cinco metros e meio de altura, mas no tempo das Cruzadas foi reduzida para metro e meio, a fim de impedir que os turcos entrassem a cavalo e atacassem os cristãos que se refugiavam no interior da Basílica. O papa Bento XVI, na noite de Natal de 2011, deixou-nos uma belíssima interpretação espiritual desta porta de entrada: “Quem deseja entrar no lugar do nascimento de Jesus deve inclinar-se. Parece-me que nisto se encerra uma verdade mais profunda, pela qual nos queremos deixar tocar nesta noite santa: se quisermos encontrar Deus manifestado como menino, então devemos descer do cavalo da nossa razão «iluminada». Devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que nos impede de perceber a proximidade de Deus”. O significado espiritual desta porta ajuda-nos a entender melhor aquele momento em que “Jesus estremeceu de alegria sob acção do Espírito Santo e disse: Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos” (Lc 10, 21). Por estes dias aumenta o corrupio comercial à volta das prendas de Natal. Se me permitem, eu também gostava de vos oferecer duas prendas espirituais que recebi de duas pessoas minhas amigas: uma refere-se ao lugar onde encontrar Deus, e outra à importância da pequenez. A primeira é do carmelita descalço São João da Cruz, o poeta místico e doutor da Igreja: “Ó alma, formosíssima entre todas as criaturas, que tanto desejas saber onde está o teu Amado para te encontrares e unires a Ele. Já te foi dito que tu mesma és o aposento onde Ele mora, o refúgio e o esconderijo onde se oculta! E já que O tens tão perto, goza e alegra-te com Ele no teu recolhimento interior. Aí O deseja e adora, e não O procures fora de ti” (CB 1, 7-8) ”. A segunda é de Santa Teresinha do Menino Jesus, filha espiritual de São João da Cruz e também Doutora da Igreja: “O ascensor que me há-de elevar até ao Céu, são os vossos braços, ó Jesus! Para isso não tenho necessidade de crescer; pelo contrário, é preciso que eu permaneça pequena e que me torne cada vez mais pequena” (Ms C 3, rº).

Neste Natal rezarei muitas orações, mas a que repetirei mais vezes, com os olhos postos no Menino de Belém e estancado diante da Pequena Porta da Igreja da Natividade, será a que Miguel de Unamuno deixou nos seus versos:

Agranda la puerta, Padre,
Porque no puedo pasar;
La hiciste para los niños.
Yo he crecido, a mi pesar.
Si no me agrandas la puerta,
Achícame, por piedad,
Vuélveme a la edad bendita
En que vivir es soñar.

Alteia-me a porta, ó Pai,
Porque não posso entrar;
Fizeste-a p’rós pequeninos,
E eu cresci, p’ra meu pesar.
Se não me alteias a porta,
Faz-me pequeno, por piedade.
Devolve-me à idade bendita
Em que viver é sonhar.