Se um filho sofre o pai ou mãe sofrem. Mas ao não poderem sofrer no lugar do filho, os pais sofrem mais! Vendo-nos sofrer, Deus sofre. Deus Pai sofre porque conhece bem os sofrimentos dos humanos, pois Deus Filho incarnou, e sofreu na carne toda a extensão de todas as nossas dores e privações, excepto as devidas ao pecado.

Vimos no texto anterior que por aqueles anos (1628 foi o ano da chegada da imagem do Reizinho ao Carmo de Praga) muito sofriam os praguenses, por causa das injustiças e das agruras das guerras; mas Deus não sofria menos!

O que agora vos quero continuar a recordar, queridos leitores e leitoras, é isto: também sobre o gracioso Menino Jesus de Praga sobrevieram dias difíceis. O que agora irei contar é como a igreja de Nossa Senhora da Vitória foi humilhada ao ponto de a profanarem. E isso que tanto nos magoa, não magoa pouco a Deus!

Ah, leitor, leitora, gracioso foi o que agora chamei ao Menino Jesus! Gracioso!, ou como ao tempo lhe chamavam e bendiziam: Gratiolus Jesulus! Gracioso quer dizer, belo, encantador, mas também, grácil, com graça – a Graça. A Graça-ela-própria era Ele. Eis, pois, mais um belo nome para o Menino Jesus: Gracioso! O nosso Menino Jesus é gracioso! É graça para nós; por isso, como poderíamos nós não amar quem de graça se nos dá para nos enriquecer da sua graça?

Queria eu dizer que vêm aproximando-se tempos ruins para o Menino Jesus de Praga! Já vem aí a desgraça – qual manto de pó sujo cobrindo a bela imagem da Graça! E tanto assim foi que em 1631, a bela cidade de Praga foi invadida pelos vitoriosos exércitos protestantes, reclamando o direito de saque! Eis, pois, a soldadesca sedenta correndo desvairada pela cidade, tudo roubando e arrombando, tudo violando e matando. Nada foi poupado! Entraram também no convento dos Padres Carmelitas, no bairro de Malá Strana e roubaram; mas que terão roubado, meu Deus, num convento onde os pobres frades passavam fome? E depois do convento caíram sobre a igreja e pilharam-na, pois em tempo de guerra não se respeita nem o Santo dos santos! E ali rapinaram as ofertas feitas pelos devotos ao gracioso Menino! Três anos depois do Gracioso ali ter chegado, a igreja esteve a saque! Reparemos, porém, que o que nada vale não vale a pena roubar, e não roubaram. Eis a razão pela qual a imagem do Gracioso não foi roubada e, por isso, ainda hoje a temos: não valia nada! E como nada valia, roubaram tudo menos o nosso tesouro! Assim são os critérios do mundo: só vale o que tem brilho! Uma imagem de cera velha não vale nada, mesmo que seja a do gracioso Menino Jesus! E foi por isso que com desprezo a derrubaram do seu altar e de uma patada a chutaram para um canto, e para li ficou, sem graça e sem mãos (pois lhas partiram), no meio do lixo! Humilhado outrora pelos soldados romanos, ei-lo agora, humilhado, de novo, por soldados! Sim, o amor dos Carmelitas havia-Lhe oferecido um trono, e ali fora buscado e venerado pelas gentes necessitadas e humildes de Praga! Tivera direito a um trono e fora digno de toda a honra e louvor, de cânticos e de hinos, de preces e de beijos, mas agora, agora, jazia no lixo, como se de lixo não passasse!

E o lixo o salvou!

Oh, meu Deus, meu Deus, de dor assim tamanha só consigo lembrar-me de quando a bondade divina achou o tempo maduro para incarnardes e vos vestirdes da nossa pele e da carne da nossa história! Éreis rei, meu Deus, éreis o Imperador do mais alto dos Altos Céus, e em vossa ternura pela humanidade, para a salvar, aceitastes fazer-vos filho de uma pobre mulher e de um pobre artesão! Éreis Deus adorado, cantado, louvado e incensado pelos Anjos, e aceitastes nascer em Belém, numa manjedoira, recostado no feno fofo, tendo por companhia uma Virgem e um Varão Santo, um jerico e uma vaca, e ao fundo, bem ao fundo, um rebanho de ovelhas e cabras!

Trocastes, ó Jesus, o doce Céu pela amarga terra! Quem vos mandou descer à terra, que vos foi tão fria e madrasta? Quem vos mandou, Gracioso Menino, frágil Menino? Quem vos mandou vir sofrer em Belém, Praga, Hiroshima, Auschuitz, Ayachucho ou Uganda? Quem ama sofre, sim; mas quem vos mandou amar-nos a nós, pecadores? Quem vos mandou?…

Entrastes no mundo chorando! Chorando saístes do mundo! E agora não podeis não chorar ao receber esse estúpido pontapé que vos atirou para um canto como a coisa mais desprezível! Vendo-vos corrido a pontapé só me ocorre pensar no estalo que o soldado de Pilatos vos deu ao dizer-vos: Cala-te!

Viestes, Jesus, para os desprezados e preferistes o lixo ao oiro; eis-vos agora decepado, ainda mais pequenino e desprezado, corrido a pontapé, botado ao lixo!

Sim, por ora, calam-vos, ó Gracioso! Nesse canto aonde um pontapé vos despejou sorveis o fel da humilhação e da profanação. Mas nós, sim nós, nós não ficamos melhor: quem nos erguerá a nós enquanto vos humilham?

Frei João Costa, ocd