É surpreendente ver como, por vezes, o frágil se impõe ao desgaste dos dias! Talvez por isso, Deus prefira o frágil e o desvalido para dar lições à história. Vimos nos capítulos anteriores como um exército se impôs e derrotou outro, como entrou depois em Praga, aterrorizou mães e meninos, pilhou as suas riquezas, profanou as suas igrejas. No campo jaziam os cadáveres, na cidade grassava a fome e roubava-se o que era sagrado. Choravam e lamentavam-se as viúvas, os velhos e as crianças. E da mesma sorte comungou a imagem do Divino Menino Jesus, que é de cera. Fora ela de ouro e teria sido mais um despojo de guerra, mas não, era de cera e não mereceu mais que um herético pontapé que a estropiou e a deixou esquecida entre escombros.

O Carmo está entre os que amam e seguem a Cristo. Ninguém, porém, alguma vez amou a Jesus Menino como a Virgem Mãe e São José! Que amores ali não havia! Que amor unia aqueles três corações!
Nós amamos e seguimos Cristo como os demais, mas como é sabido, entre nós devotamos especial ternura à Sua santa infância: vêmo-l’O infante – que não fala – e contemplámo-l’O e adorámo-l’O como Senhor e Salvador. A verdade é que poucos como S. Teresa e São João da Cruz, nossos pais, se comparam aos pais de Jesus; poucos. E entre esses poucos, houve um homem especial.
Estando já entronizada na Igreja de Nossa Senhora da Vitória, do convento do Carmo de Praga, ia tal história nem a meio, quando sobre a cidade lavrou uma longa guerra, acontecida entre irmãos na fé em Cristo.
Por aquelas alturas os exércitos Protestantes sobrevieram sobre os reinos Católicos para deles se apossarem. Ao chegarem a Praga sitiaram-na, combateram-na, tomaram-na, devastaram-na, deixando-a viúva, sem filhos, só, desamparada. Também o Carmo, tomado como despojo, sofreu as agruras da ímpia guerra. Mas como nada havia ali que tomar, limitaram-se a estragar. Por fim, e por nada valer, profanaram a frágil imagenzinha (48 cm, em cera) do Menino Jesus, o Reizinho, com um pontapé, partindo-lhe ambos as mãos.
(As mãos da imagem, uma, a direita, abençoa, a outra, a esquerda, sustenta o mundo junto do coração divino.) Entretanto, os do Carmo fugiram, mas depois de sete anos de desterro e desolação regressaram e
Houve um homem.
Houve um homem-coração-de-menino jamais olvidado da delicada imagenzinha do Menino Jesus Rei, que obteve licença para a procurar! Mas aonde estaria ela, visto ele sentir que tinha de estar por ali? O homem que ainda era jovem fora outrora ali noviço, daqueles que, primeiramente, Lhe devotaram os louvores e amores juvenis. O jovem era luxemburguês, mas o Carmo de Praga passaria a ser a sua pátria – chamava-se Nicolás Schockvilerg, a quem a história conhece por Frei Cirilo da Mãe de Deus, o sacerdote apóstolo do Menino Jesus.
Entrando na igreja, buscou e rebuscou a imagenzinha por onde, pensava, pudesse ela encontrar-se. Procurou-a, obviamente, onde anos antes ela brilhara – no seu altar!, mas nada, nada mesmo, pois que ele fora saqueado e derruído. Entrou depois no convento, perambulou pelos claustros e adjacências e… nada. Algo, porém, lhe dizia que deveria insistir. E insistiu. Entrou de novo na igreja e rebuscando cuidadosamente, encontra-a, por fim, por entre lixo e escombros ocultos por detrás do altar. A sua alegria foi imensa, porque limpando-a reconheceu-a, frágil e pequenina, com o mesmo rostinho, as vestes de sacerdote e as de rei, com a pequenina coroa, embora sem as mãos, que logo por ali achou…
Três ou quatro assopradelas depois e tinha-a colocado no seu antigo lugar, e as mãos aos pés. As vestes, engelhadas e rotas. E, prontamente, aquele homem bendito, se ajoelhou na penumbra do silêncio maculado, e caiu em oração. Pobres e recém-chegados, os frades nem dinheiro tinham para velas ou azeite, pelo que a igreja jazia às escuras. E Frei Cirilo ficou-se ali, entre o sonho feliz e o frio da realidade crua, orando e dando graças a Deus. E de repente ouviu uma vozita como a de um menino; e não, não havia dúvidas, pois a ouvira claramente, dizendo: «Tende piedade de mim e eu terei piedade de vós!».
Conta-se que Frei Cirilo quase emudeceu, mas a voz de menino ouviu-se de novo: «Devolvei-me as mãos e eu vos darei a paz»! Não havia dúvida, o céu falara e o jovem sacerdote ouvira! E ouviu de novo: «Quanto mais me honrardes, mais eu vos favorecerei!». Bendito seja Deus!
Frei Cirilo encontrara a sua missão: devolver o esplendor da imagenzinha do Menino Jesus Rei e repor o seu culto, que há-de chegar a ser universal. Em Praga, já se ouvem os passos que anunciam a paz e trazem ventos de bonança e de bênçãos. Mas tal não será de todo uma tarefa fácil, embora digna de um homem valente, com coração de menino!
Houve, naquele tempo, um homem – o apóstolo do Menino Jesus, Frei Cirilo a Mater Dei. Feliz o tempo que tem um homem digno do Menino Jesus!

Frei João Costa, ocd