Em certa ocasião visitei a Igreja de Santo Agostinho, em Roma, onde está sepultada Santa Mónica, sua mãe. Nesta Igreja há um quadro, atribuído a Caravaggio, que tem uma história engraçada. Os frades agostinhos encomendaram a um pintor uma imagem de Maria “mais Rainha do que mãe e irmã”. O artista, disciplinado, fez a encomenda pedida e quando foi cobrar o seu trabalho viu que os frades não lhe queriam pagar, nem queriam o quadro, porque achavam irreverente a maneira como havia representado a Mãe de Deus. O quadro representava Maria à porta da sua casa com o menino nos braços e vestida com roupas próprias de uma mulher dedicada aos trabalhos domésticos. Ajoelhados diante dela estão dois mendigos, com os pés descalços, pedindo esmola a Maria. Caravaggio depressa se deu conta de que a humanidade de Maria está coroada mais com o “avental” do que com o diadema. A centralidade da cena corresponde a um Deus que, através de Maria, serve a humanidade, simbolizada nos dois mendigos ajoelhados diante dela com os pés inchados, sujos e cheios de chagas.
As mães curvam-se na direcção dos filhos. Primo Mazzolari comenta: Aquele curvar do seu corpo é a prova do seu amor, o inconfundível sinal da maternidade que se abaixa e condescende. Abaixar-se é também o gesto de Jesus para com os seus irmãos no lava-pés.
O pintor, com a sua visão particular, tentou convencer os frades agostinhos de que Maria exercia a sua realeza a partir da proximidade e intimidade da mulher que se sabe irmã e companheira de canseiras domésticas. Maria, mulher histórica da nossa raça e não deusa. A mulher crente, peregrina da fé, a que serviu Isabel, a pobre de Belém, a que sofreu pelo Filho, a que acompanhou os apóstolos na espera do Espírito Santo.
Lutero, longe da imagem desvirtuada e da visão maravilhosa que os evangelhos apócrifos descrevem sobre Maria – uma supermulher – num dos comentários mais bonitos que jamais se escreveram sobre o Magnificat, retratou deste modo a humanidade de Maria: Nenhuma acção, nenhuma honra, nenhuma fama se atribui a si mesma […]. Não reclama nenhuma honra, vai e dedica-se às tarefas caseiras como antes, continua a ordenhar as vacas, cozinhando, lavando a louça, varrendo. Comporta-se tal como uma criada ou uma ama de casa dedicada a afazeres insignificantes e banais […] Maria, como irmã, é modelo da humanidade que, na liberdade, diz um “sim” confiado e alegra a obra de Deus, colaborando activamente no seu crescimento.
Desiderio Garcia Martinez, O. Carm