No dia da peregrinação ao Santuário do Menino Jesus de Praga, em Avessadas, foi-me entregue pela minha amiga da Foz, Helena Silva, um livrinho sobre o Divino Menino Jesus de Praga. É um livrinho de 24 páginas, assinado por Julião Nicolau e tem a data de 17 de Abril de 1934. Perguntei-lhe a razão da entrega. Ela respondeu: «Quando descia a Rua de Diu, olhei para um vaso que estava na rua e vi lá “o meu Menino abandonado”. Abandonado num vaso da rua! Levei-o comigo para casa e agora quero deixá-lo nas suas mãos, pois sei que vai ser estimado».
Este episódio faz-me lembrar a história do “meu Cristo partido”, de Ramón Cué, encontrado num antiquário de Sevilha. Diz este sacerdote que podemos encontrar Cristo “entre porcas de parafusos e pregos, sucata oxidada, roupa velha, sapatos, livros, bonecas desfeitas ou litografias românticas. Cristo anda e está entre todas as coisas deste alvoroçado e inverosímil rasto que é a Vida”. O sacerdote insistia em querer restaurar a imagem do “Cristo partido”, mas Este pedia-lhe: – Não me restaures! Talvez que, vendo-me assim, te sirva de lição para a dor dos demais”. Eu quero que, vendo-me partido, te lembres de tantos irmãos que convivem contigo, ignorados e distantes, e que estão, como Eu, partidos, esmagados, indigentes, oprimidos, doentes, mutilados… Sem braços, porque não têm possibilidades nem meios de trabalho; sem pés, porque lhes bloquearam os caminhos e não podem dar um passo em frente na vida; sem cara, por que lhes roubaram a honra, o mérito, o prestígio. Todos os esquecem e lhes voltam as costas!
Pelos anos de 1630, na cidade de Praga, quando o Rei da Suécia e Jorge Arnhein com 18 mil saxões atacaram a Boémia, a imagem do Menino Jesus de Praga foi atirada com desprezo para trás do altar. Foi aí que, sete anos mais tarde, o Padre Cirilo a encontrou com as duas mãos partidas. Um dia, estando este padre em profunda meditação, ouviu uma voz que lhe dizia: “Tem piedade de mim e eu a terei de ti. Restitui-me as minhas mãos e eu vos darei a paz. Quanto mais me honrardes, mas eu vos favorecerei”. Este Menino de mãos partidas é o mesmo Cristo partido, vítimas das guerras e da profanação.
No lugar mais digno da minha estante tenho agora o livrinho abandonado no vaso de uma rua, “o meu Menino abandonado” da Helena Silva. E quero conservá-lo tal como me foi entregue, pois, vendo-o assim, talvez me lembre da dor de tantos meninos abandonados, “esmagados, indigentes, oprimidos, doentes, inclusive atirados para os caixotes do lixo”. Quantos meninos abandonados e partidos não haverá por aí! Divino Menino Jesus, fazei com que alguém os encontre!