Qualquer carmelita sabe que Teresa de Jesus e João da Cruz são contados entre aqueles santos que mais contribuíram para difundir a devoção ao Menino. Quem é próximo ao Carmelo sabe que nos conventos carmelitas, ou castelos onde Deus mora, a marca da casa é a humildade, a oração e a alegria. Dizia Teresa: “Tristeza e melancolia não as quero em minha casa”. E João da Cruz arrematava: “Neste estado de vida tão perfeita, a alma anda sempre, interior e exteriormente, como de festa; no paladar do seu espírito traz frequentemente um grande júbilo de Deus, uma espécie de canto novo, que é sempre novo, envolto em alegria e amor” (Ch 2,36). Nos Carmelos, o Advento termina sempre em exaltação festiva e gozosa.

João da Cruz via o mistério da Encarnação como uma obra excelsa na qual o Pai mais reparou e se deleitou: “As obras da Encarnação do Verbo, pelo facto de serem as obras maiores de Deus e encerrarem em si um amor maior do que as obras das criaturas, produzem na alma um maior efeito de amor” (CB 7, 3). O projecto divino e a realização histórica da Encarnação do Verbo são belamente descritos nos Romances do Santo. Ele di-lo assim: Na qual (Maria) a Suma Trindade/ de carne o Verbo vestia./ E embora de três a obra,/ somente num se fazia;/ ficou o Verbo encarnado/ em o ventre de Maria./ E o que tinha apenas Pai,/ também já Mãe possuía…/ Porque das entranhas dela/ Sua carne recebia; /pelo qual, Filho de Deus/ e do homem se dizia.

Teresa de Jesus contemplava a Encarnação de Jesus como uma imersão de Deus até ao mais profundo do nosso mundo: “Aquela união tão grande, como foi a de Deus se fazer homem, aquela amizade que selou com o género humano” (CAD 1, 10). Deste modo, em Teresa, a encarnação vincula-se à ideia de amizade, de união entre Deus e o homem, porque, graças à Encarnação, podem-se estabelecer entre nós e Deus relações de verdadeira amizade. Teresa canta a Encarnação do Filho como a doação do amor do Pai aos homens: Dá-nos o Pai/ Seu único Filho./ Hoje vem ao mundo/ Num pobre portal./ Oh, que grande alegria,/ que já o homem é Deus./ Não há que temer/ morramos os dois. O realismo da mística teresiana baseia-se precisamente na Encarnação, porque, segundo ela própria confessa, “só podia pensar em Cristo Homem” (V 9,6; 22,6). Olhar para Ele era encontrar-se com o modelo e o Salvador que desde o seu nascimento humano participou e comungou com tudo o que é nosso. A partir da humanidade de Cristo, além da humildade, Teresa gosta muito de realçar o estado de pobreza que assume: “Pareçamo-nos nalguma coisa ao nosso Rei, que não teve casa a não ser o presépio de Belém onde nasceu e a cruz onde morreu” (CP 2, 9).

Os enamorados sentem-se presos pelo amor de Quem deles se quis fazer prisioneiro: “Por aqui pode-se imaginar o gozo, a alegria e o deleite que a alma sentirá com tal Prisioneiro, pois há muito tempo que d’Ele já ela [a alma] o era, andando por Ele apaixonada” (CB 31, 10). Portanto, o amor é o causador da festa, da dança, das representações teatrais, dos vilancicos ao Menino e das procissões.

Era nas festas de Natal que João da Cruz mais se extasiava. Em Baeza, Granada e Segóvia animava a sua comunidade com versos, cantos e pequenas representações teatrais que entretinham e enterneciam os seus frades. Frei João de Santa Eufémia, o cozinheiro da comunidade de Baeza, diz que “na noite de Natal, o dito frei João da Cruz fez com que dois dos seus religiosos, representando Nossa Senhora e S. José, andassem pelo claustro do convento a pedir pousada. E daquilo que diziam estes dois frades, João da Cruz tirava pensamentos divinos que partilhava para grande consolação dos religiosos. E, quando estas festas se celebravam na igreja, o povo ficava muito edificado e cheio de devoção”.

Também em Granada, segundo o Frei Alonso da Mãe de Deus, frei João “colocou a mãe de Deus num andor, e, posta aos ombros, acompanhada por este servo do Senhor e pelos religiosos que a seguiam pelo claustro, batiam às portas que nele havia a pedir pousada para aquela Senhora em hora de parto e seu marido. Chegados à primeira porta cantaram esta letra que o santo compôs: Do Verbo divino/ a Virgem prenhada/ lá vem a caminho./ Dar-lhe-eis pousada? Esta letra foi-se repetindo de porta em porta. Lá dentro, o santo tinha posto religiosos que respondiam secamente. João da Cruz respondia falando-lhes dos hóspedes, do tempo que fazia e da importância daquela hora. O ardor das suas palavras e das maravilhas que apresentava enternecia o coração de quantos o ouviam e nas suas almas ficava impresso este mistério e um grande amor a Deus”.

Gabriel da Mãe de Deus, o velho sacristão do convento,descreve uma procissão idêntica que entrava na igreja à meia-noite. Ao lado doambão estava montado o presépio – feito de ramos, palha e terra – onde nãofaltava a mula e o boi, bem como a imagem de S. José. Ao chegar, punha-se a VirgemMaria na gruta. Todos adoraram o Menino recém-nascido. Era tal o realismo comque se fazia a celebração “que não parecia representação de uma coisa passada,mas tal acontecimento via-se presente, como se acontecesse naquele instantediante dos seus olhos”.

Agostinho Leal, ocd