Há dias recebi um e-mail do Director do Mensageiro que me notificava: «Lembrei-me – com intenção de ajudar… – de que as contas do teu rosário poderiam ser sobre peregrinos célebres do Santuário. Como não vai haver Peregrinação, era uma forma de reviver a deste ano. Que te parece?».

Com esta proposta fiquei logo embaraçado, pois não sei classificar quem é célebre ou não. «Cada um sabe de si e Deus de todos». Célebre, para o dicionário, significa famoso, notável, ilustre… Nos tempos que nos tocam viver, os santuários não são os palcos mais apropriados para os famosos que o mundo aplaude e leva aos ombros. Também não são as personagens ou pessoas notáveis as mais vistas em peregrinações. Também não são elas, diga-se a verdade, as que mais impressionam numa peregrinação.

A propósito recordo as palavras do Papa Francisco, no dia 7 de Junho de 2017, depois de ter sido peregrino em Fátima: «No Santuário de Nossa Senhora, comoveu-me a solidez da fé, a indómita esperança e a ardente caridade que anima o caminho humano e cristão daquele povo santo fiel de Deus, com destaque para o silêncio de um milhão de peregrinos unidos ao meu silêncio orante». Nas muitas peregrinações ao nosso Santuário, o peregrino mais célebre foi sempre o “povo de Deus”, no seu conjunto, sem que tenha sobressaído qualquer celebridade. Nos oráculos do Senhor, do profeta Isaías, afirma-se: «É nos humildes de coração contrito que os meus olhos se fixam, pois escutam a minha palavra com respeito» (Is 66, 2).

Depois do que disse, permita-me, meu amigo e confrade Frei João, que não fale de peregrinos célebres, mas reviva o que é mais célebre numa peregrinação.

Quem quiser entender uma peregrinação tem de saber «espreitar os mundos que há no mundo, as mil humanidades que há dentro de cada um de nós», como dizia o escritor moçambicano Mia Couto. Numa peregrinação eu gosto de me sentir a caminhar perto de coisas e de pessoas de verdade, gosto de ver chegar os peregrinos que trazem as mãos e o coração para entregar a Jesus. Gosto de interpretar os gestos de quem se ajoelha, dá um beijo, olha silenciosamente ou meneia os lábios em oração. Gosto de «espreitar os mundos que há no mundo» e ver em tudo algo de belo e divino. São flores, são velas, são poemas, são frutos da terra, são cânticos e poemas, recados e preces, acções de graças e lágrimas. É o Povo de Deus em oração. No bulício da multidão ouve-se e aclama-se a Palavra de Deus. Reza-se a história com os acontecimentos belos e tristes, de perto ou de longe, dos amigos ou dos inimigos. Recebe-se o Pão do céu e partilha-se o pão da terra.

Um santuário e uma peregrinação são expressão da religiosidade popular que não é um género menor das manifestações de vitalidade cristã. Diz-nos o Papa Francisco (EG 123-125): «A piedade popular ‘traduz em si uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar’ (…) Não coarctemos nem pretendamos controlar esta força missionária! Para compreender esta necessidade, é preciso abordá-la com o olhar do Bom Pastor, que não procura julgar mas amar. Só a partir da conaturalidade afectiva que dá o amor é que podemos apreciar a vida teologal presente na piedade dos povos cristãos, especialmente nos pobres. Penso na fé firme das mães ao pé da cama do filho doente, que se agarram a um terço ainda que não saibam elencar os artigos do Credo; ou na carga imensa de esperança contida numa vela que se acende, numa casa humilde, para pedir ajuda a Maria, ou nos olhares de profundo amor a Cristo crucificado».

A peregrinação nacional ao Santuário do Menino Jesus de Praga é um momento de fé, situado no tempo, que proclama as promessas de Deus em favor do homem. A Festa do Menino é uma só coisa composta de tudo. Naquilo que se vê, a festa tem cruz, estandartes, bandeiras, vendedores de tudo quanto há, autocarros em fila; tem altar, padres, acólitos, cantores e leitores; tem o velhinho de cadeira de rodas e um carrinho com rodas a transportar o bebé; tem gente sem ninguém e tem famílias aos magotes. Há procissão de manhã e de tarde, há representações ao vivo dos mistérios da infância de Jesus; há quem leva o andor e quem o acompanha. Também lá está a GNR e a Cruz Vermelha. Mas tudo isto não é mais do que um momento de fé com que se escreve a história de Deus e dos homens no tempo. No fim de contas, é no tempo que fazemos a experiência da vida. É no tempo que somos actores e escritores, santos e pecadores, cantores e peregrinos. É no tempo que se geme, se grita e se sorri. É no tempo que somos o que fazemos e fazemos o que somos. É no tempo que se faz festas a Deus e aos homens. É no tempo que se vive da fé. «Deus não dá ‘show’. Ele atua no silêncio e na humildade. Esta é a sua forma de actuar na história» (Papa Francisco).

Divino Menino Jesus de Praga, abençoai-nos.

Agostinho dos Reis Leal