Juntos vimos fazendo, estimados leitores e leitoras, uma caminhada com o Menino Jesus de Praga, nosso rei. Já contemplámos nestas páginas a placidez daquele mosteiro branco postado frente ao Mediterrâneo e já o vimos destruído; já assistimos à sua reconstrução e já vimos como um velho monge ali talhou em branda cera, ao longo de anos, a imagem do Divino Reizinho; já a vimos nas mãos e na companhia de Santa Teresa de Jesus e já vimos como a Santa Doutora a ofereceu a sua amiga Dª Maria Manrique de Lara e Mendoza; já a vimos presidindo à capela privada da família e já a vimos, depois, nos olhos, no coração e nas mãos de sua filha, a princesa Polyxena; e, por fim, depois da sua segunda viuvez, vimo-la passando das mãos da Princesa para as do Prior dos Carmelitas, Frei João Ludvik da Ascensão.
E inclinando-se, Frei João, recebeu da Princesa o seu mais belo tesoiro: a imagenzinha do Divino Menino Jesus. Recebendo em suas mãos a cera frágil do Deus Forte, Frei João chorou! Chorou e chorando abençoou a Princesa!
Chegava, por fim, o Menino a sua casa.
Desde aquela hora o Menino Jesus já não será nem de Santa Teresa nem de Dona Maria Manríque, não será mais da Princesa que O amou como menina, como adolescente, como jovem e bela noiva prometida, como esposa, como mãe e como viúva; nem será de sua filha única, nascida do seu segundo casamento, quando já Dona Polyxena ia em idade avançada, e as esperanças se haviam ido.
Agora, o Menino Jesus já não mais seria venerado apenas numa capela privada, mas numa igreja aberta! Não mais seria reservado a uma família, mas recebedor dos hinos e louvores e gratidão de uma multidão de devotos! A partir de agora, será rei de Praga, logo, da Boémia. Por fim, de toda a Europa; e sem tardança, sê-lo-á de todo o mundo, de todos os corações!
O Rei havia chegado a casa!
O Pequeno praguense tomava posse do que sempre fora seu!
Eis-Vos em casa, Divino Menino Jesus de Praga!
Depois de receber a imagem das mãos da princesa Polyxena, Frei João entrou no pequeno oratório da Comunidade e depôs a imagem num pequeno trono improvisado. E acendeu-se uma e depois outra vela que iluminaram o rosto pequenino de Jesus. Prontamente, Frei João e a Princesa juntaram as mãos, e o menino sorriu.
(Não sei nem posso jurar, caro leitor, cara leitora, que o Menino tenha sorrido. Ai quem me dera, mas não posso! Mas posso garantir que aquele velho livro de crónicas achado na cave de um alfarrabista de Amesterdão jura que o Menino sorriu quando a vela se acendeu e a Princesa e Frei João ergueram as mãos e juntos rezaram um Padre Nosso!)
O Menino é um dom, uma dádiva, e sorri!
O Menino está em casa, e sorri!
O Menino vem ao encontro dos seus irmãos, e sorri-nos!
(E o tempo passa. Mas quase não passa o tempo que passa. Ao contrário, parece que não passa. Dir-se-ia que naquela hora não passava o tempo por ali.)
Acabado a oração a Princesa não se decide a sair.
(Quem quererá sair da presença do Menino Jesus?)
E ergue de novo o olhar para o Menino. Está emocionada. Baixa o olhar e de novo o levanta para Jesus. E não se decide. A Princesa olha o Menino e o Menino olha a Princesa. Há gratidão e suplica no olhar. E amor, sobretudo, amor — já São João da Cruz ensinara que olhar de Deus é amar! E não, não há oração maior que a do olhar com amor! Ai, pois não há, não!
E eis que as princesas também choram!
Por fim, pela última vez, Dona Polyexena, Princesa de Lobkowicz, uma das principais do Reino da Boémia, lançou um último olhar ao seu Menino Jesus a Quem aprendera a dirigir as suas orações e preces. E despede-se.
(Repara tu, leitor, leitora, e aprende; repara e aprende: grande oração é olhar com amor! E não é mais pequena o deixar-se olhar pelo Amor! Ora repara bem: a Princesa olhou o Menino e o Menino olhou a Princesa! E ela sai, lentamente. E saindo da presença do Divino Menino não lembra as tristezas de mulher viúva duas vezes! Nem lembra que é mulher envelhecida e endurecida pelos duros combates da vida!
Como se fora de novo menina, a Princesa sai do oratório. E a verdade é que se não envelhece Aquilo em que temos fé, tãopouco envelhecem os que Nele depõem a sua fé!
Cerrou-se, por fim, a pesada porta conventual. Por agora ninguém sabe quantas pessoas irão ao Carmo de Praga para ver Jesus! Virão séculos sobre séculos, e este não será o último, e durante séculos virão milhões de pessoas para olhar o rosto milagroso Menino Jesus. Para rezar, porque olhar com amor é rezar!
Caiu o silêncio na casa dos Carmelitas. E Frei João apaga as velas. Sim, apagam-se as velas do Menino Jesus, e desde a escuridão desponta uma deslumbrante luz espiritual que se ergue sobre Praga — e mais tarde, desde Avessadas — para iluminar todos os povos!