Eis-nos no velho bairro de Malá Strana. Está mais que na obrigação de frequentarmos a igreja de Nossa Senhora da Vitória, situada naquele bairro. Desde a piedosa oferenda da Princesa Polyxena que o Menino Jesus ali reina. Deram-lhe por primeiro trono o modesto oratório do Noviciado; só mais tarde o povo reclamará a sua presença na igreja.

A mais famosa imagem do Menino Jesus é a do presépio, e depois a do de Praga. E é também sabido que depois da sua manifestação e dos maravilhosos sucessos de Praga, a devoção alcançou veneração universal, ao ponto de se multiplicarem pelo mundo fora as suas réplicas e o nascimento de vários santuários. Em breve iremos, pois, um pouco por todo o mundo…

Eis-nos em Praga, coração da Boémia, Boémia coração da Europa! Desde aqui percorreremos o caminho da devoção. Caminho feito de gratidão e de respeito, de amor e de glória, mas também de ódios, guerras e humilhações. Em Praga ergue-se e abre-se um caminho de luz, que as nações e os séculos hão-de reconhecer e testemunhar. Como será natural de compreender, os primeiros a honrar a veneranda imagem do Divino Reizinho foram os jovens noviços do Carmo, porque, por decisão do seu Prior, a preciosa imagem foi, primeiramente, colocada no oratório do Noviciado. Ali o Menino Jesus recebeu os exercícios espirituais diários das jovens vocações ao Carmo, pois ali se rezavam as Horas comunitárias em Seu louvor!

Oh!, com que confiança se Lhe erguiam louvores e acções de graças! Com que confiança e com que proveito! E tanto assim foi que, prontamente, os frades Carmelitas decidiram descer a imagenzinha à igreja, aonde se celebravam os sagrados mistérios da fé católica! Desciam-na a cada dia 25 e expunham-na ao olhar e devoção dos fiéis do bairro de Malá Strana. E foram estes quem primeiro saboreou a influência do miraculoso Menino Jesus! Aqueles primeiros devotos entravam na igreja, ajoelhavam-se diante do Menino Jesus e emitiam os seus pedidos. Eram tempos bem difíceis aqueles, pelo que as gentes de escassos recursos e necessitados de amparo acorriam prestos e fervorosos! E prontamente o prodigioso Menino Rei começa a influenciar a vida dos fiéis que a Ele se confiavam, segundo a consigna que se tornará célebre: «Quanto mais me honrardes, mais eu vos favorecerei»!

Talvez os leitores de hoje não saibam, mas aqueles tempos em que esta história se está a passar, eram ruins, de guerra. E é que a guerra nunca fez bem aos pobres! E mais: aqueles eram os tempos da Guerra dos Trinta Anos, uma guerra longa, dura, cruel e terrível que devastou as terras e as gentes da Boémia. Nunca ninguém se habitua à guerra e à fome, mas em trinta anos muitos nasceram e foram engolidos nos ardis dos ódios e nas matanças loucas que se erguiam aqui e ali, ora por vingança, ora por estupidez, ora por despeito. A fome, os assassínios e os sofrimentos eram tantos que felizes eram os que morriam vítimas de guerra tão cruel, que em todos apagara já a esperança e a memória dos tempos de bonança.

Por aqueles anos os campos produziam pouco mais que ervas daninhas; e ninguém arrecadava nada, e se arrecadava logo era roubado e a casa queimada! Por aqueles tempos, do rosto do Menino Jesus de Praga começava a erguer-se uma luz que se haveria de ver nos confins do mundo. A verdade, porém, é que os vizinhos do Menino Jesus, no imediato, vivem infelizes e tristes, roubados e massacrados, famintos, espezinhados e desprezados. É quase uma ironia: quando se nomeia a Boémia costuma acrescentar-se o adjectivo feliz, Boémia feliz. E a ironia é esta: Aquela era uma Boémia infeliz! Infeliz como uma mãe viúva, pobre e doente e sem pão para os filhos…

Em Praga, coração da Boémia, que era o coração da Europa, o Menino Jesus manifestou-se a um povo infeliz, triste e desesperançado, porque naquela terra outrora fecunda e agradável reinava agora a morte e a desolação. Pois sim, quando mais fundos e profundos foram os sofrimentos dos pobres, quando mais escura foi a desesperança, quando menos se esperava, quando mais sofreram os meninos e as mães por nada terem que lhes dar, quanto mais duro foi o aguilhão da morte mais graciosamente chegou a resposta divina a tanto sofrimento humano.

Reza o velho livro de que tanto falo, que pouco tempo depois dos frades Carmelitas exporem a imagem do Menino Jesus na igreja logo começaram os milagres. O altar do Menino Jesus era uma refrescante fonte de graças e de bênçãos. Acicatadas pelo desespero, as pessoas acorriam e ali abandonavam as mágoas. Parecia que os tempos evangélicos haviam retornado: os enfermos eram curados, os famintos saciados, os pedidos ouvidos, os cegos viam de novo, e os que viviam acorrentados a muletas saiam cantando e saltando de júbilo.

Deus compadecia-se do seu povo.

 

Frei João Costa, ocd