Se ver uma obra de Salvador Dalí no Mensageiro poderá surpreendê-lo(a), imagine o espanto de quem escreve estas linhas quando deu por si refletir a partir da Madonna de Port Lligat (1950). Sei pouco de arte. Mas, esta obra inspirou-me a meditar a interioridade da Virgem Maria, que é uma outra maneira de dizer o seu coração.
Era impossível escreve sobre Maria e Jesus menino sem falar daquele coração. Lucas anota, na cena da visita dos pastores ao recém-nascido Jesus, que «Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração» (Lc 2:19). Na sequência da perda e encontro de Jesus no templo, palavras idênticas: «Sua mãe conservava todas estas palavras no seu coração» (Lc 2:51). O que habitava a interioridade de Maria? O que deixava ela que permanecessem dentro de si? Ao que dava voltas, uma e outra vez? À luz da Palavra, a resposta é simples: Jesus, os acontecimentos da Sua vida, os efeitos do Seu Mistério. O interior de Maria era habitado por Jesus. Quando vi este quadro de Dali e reparei que o lugar do coração da Virgem é um espaço onde está Cristo, caí na conta da densidade e profundidade das palavras de Lucas. Imaginei a pintura de Dali como o resultado de uma radiografia ao coração, à interioridade de Maria, àquilo que a definia, mas que era invisível ao olhar dos outros. Ali havia Cristo, ponto final. Lembrei-me, também, das palavras de Isabel da Trindade, carmelita que já trouxe à colação na última reflexão: «A Virgem conservava todas estas coisas no seu coração: é a inteira história dela que assim se pode resumir nestas breves palavras! Foi no seu coração que ela viveu e em tal profundidade que o olhar humano não a consegue seguir» (UR 40).
Ao pensarmos que Maria, a primeira zeladora de Jesus menino, viveu desta maneira os mistérios da vida do pequeno Rei, nós, que devotamos o nosso amor ao Infante Divino, devemos interrogar-nos: se Dalí pintasse a radiografia da nossa interioridade, o que apareceria dentro daquele quadrado? Certamente, o que andamos a pensar durante os nossos dias, aquilo a que damos voltas ao longo das nossas horas, as palavras que nos habitam. Em Maria cumpria-se a exortação da carta aos Colossenses: «A palavra de Cristo habite em vós» (3:16). Que a nossa interioridade seja habitada não por mágoas contra alguém, por congeminações de maldade, por futilidades do dia a dia, mas por Jesus, pela Sua vida, pela Sua Palavra, pela Sua pessoa.
Renato Pereira