Hoje é domingo. O terceiro da quaresma e o primeiro da quarentena. É a primeira vez na minha vida que vejo as igrejas sem celebrações da Eucaristia com povo. Por este lado, o coronavírus atingiu-me. Tenho a sensação de não ser padre. Realmente, o padre completa-se na comunidade. O comunicado da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) manda “que os sacerdotes suspendam a celebração comunitária da Santa Missa até ser superada a actual situação de emergência”. Permanecerei silenciosamente à espera que esta situação de emergência seja superada.

Muita gente telefona a perguntar pela Semana Santa, pela Páscoa, pela Visita pascal… Fico contente que as pessoas perguntem, pois isso é sinal de que estas celebrações são verdadeiramente sentidas e acarinhadas pelos cristãos. Mais do que nunca a casa das famílias são verdadeiras igrejas domésticas, pois a eucaristia será seguida em casa, na televisão, por parte de muitas famílias. Quanto à Páscoa, fico silenciosamente à espera do evoluir da situação.

Tenho tido tempo para acompanhar a situação nacional e mundial da pandemia do COVID 19. Também me sinto atingido por ele – não infectado, por agora – pois sofro por ver sofrer e morro por ver morrer. Dói-me a alma por não poder visitar os doentes, os velhinhos, e não me aproximar das pessoas. Sinto-me na direcção contrária de Jesus, que acolhia os leprosos, ia a casa dos doentes… Tenho-me lembrado muito do Papa Francisco e dos “descartáveis”. Mas… também sobre esta situação terei de permanecer silenciosamente à espera.

Tenho mais tempo de solidão, de reflexão e de oração. Posso acompanhar espiritualmente a comunidade, sobretudo os infectados e as suas famílias; posso meditar noutros coronavírus, como por exemplo, a mentira, a injustiça, o orgulho, o egoísmo, a maledicência…, aos quais também é preciso combater; posso reflectir no “tudo passa”, no “não somos nada”, nas surpresas e mistérios da vida; posso agradecer e louvar a azáfama dos serviços sociais e de saúde, o altruísmo e os imensos gestos de fraternidade que vão acontecendo, sobretudo, no anonimato. Também posso fazer perguntas sem respostas – e são muitas as que faço a mim mesmo – mas julgo que terei ainda de permanecer silenciosamente à espera.

Hoje é domingo. Estou a caminho da Páscoa da Ressurreição de Jesus. Estou em tempo de quaresma, de Paixão e morte, mas, apesar de tudo, fortaleço-me no silêncio e na esperança, isto é, silenciosamente à espera da ressurreição, da vida nova.

Pela janela contemplo as árvores que, depois da poda e recolha das lágrimas que essa purificação lhes causou, permanecem silenciosamente à espera de se revestirem de novas folhas, flores e frutos. Realmente, “a primavera vem depois do inverno, e a alegria virá depois da cruz”. 

Entretanto, vou aguentando um vazio tranquilo, irreal, inimaginável até há poucas semanas, testemunho de um tempo que já não é o mesmo; repleto só de medo e coragem. 

“No mundo, tereis tribulações; mas, tende confiança: Eu já venci o mundo” (Jo 16, 33). Cristo ressuscitou! Aleluia!

Santae feliz Páscoa.

Agostinho  Leal, ocd