Se bem me lembro, prontifiquei-me no texto anterior a falar de anjos. Mas os anjos não apareceram por lá, certo? Pois não, não apareceram, que não houve espaço para tanto. Mas sim, deu para contar como a certa altura, se ergueu em Praga e à volta de Praga, uma peste tal que quase dizimou a todos. E perguntam-me: — E então, onde estão os anjos?! E eu respondo: — Não viram nas entrelinhas do texto um anjo incansável? Ora vão lá ver! Não viram o Prior do Carmo, cuidando dos seus e dos alheios, como um pastor, que digo eu, como um pai, ou melhor, como um anjo? Não o viram voando, incansável, de casa em casa, de cabeceira em cabeceira, de tantos enfermos?

Terminava eu aquele texto assim: «Até que uma noite, ao regressar a casa…». Ora, pois, certa noite, alta ia já a lua, regressava a seu convento o Prior do Carmo, depois de longa labuta de anjo de misericórdia, junto dos que em Praga tanto sofriam, quando, ao aproximar-se da sua igreja, se apercebeu de que, a desoras, ali havia luz. Vai daí, logo pensou algo parecido a isto: — Estamos tão mal e de arcas tão vazias, e os meus frades esquecem-se das velas acesas na igreja! Fazem-me outra como esta e já não haverá mais cera em casa durante todo o mês! Valha-me Deus, que bem pode!

Ora se tal pensou, ao entrar em casa, logo correu à igreja para estancar o dispêndio. Passando pela sacristia agarrou o apagavelas — não sei se sabes o que é, mas trata-se de uma cana, como um chapelinho tipo chinês que se usa para abafar a chama das velas. —. Tomou, dizia eu, o apagavelas e correu para a igreja, abre a porta e…
… e dá de chofre com um jorro de luz sobre o altar!
Banhado de luz tão mansa quão intensa, o pobre frade estanca e quase cai:
— Ai, meu Deus! Solta-se-lhe a voz!
E procurando a fonte de tanta luz, logo percebe que ela não vem das velas. Ora se ela não vem das velas, rápido pensa ele, tão rápido como tão pronto logo acha a resposta: — São anjos, ali há anjos!
E cai de joelhos!
Na verdade, ainda hesitou um pouco, pensando que tinha uma nuvem de pirilampos na igreja! Mas não, não mesmo, eram, eram mesmo anjos que tinha diante de si — concluiu estupefacto! Sim, arregalando os olhos viu umas belas figuras de anjos, tecidas de luz de oiro fino, de brilhantes cabelos de seda, e a quem nem faltavam as longas asas! Olhou, olhou bem, infirmou-se e viu a imagenzinha do Reizinho, com a bola do mundo na mão esquerda, doirada, brilhante, resplandecente; e os anjos a seus pés, adorando-O! E contou: Um, dois, três… seis, sete anjos!

E pensou como quem reza (de espanto):
— Ah, meu Deus, meu Senhor e meu Deus, é bem verdade o que em certa página e a outro respeito, diz o Apóstolo: Atentai com muito cuidado, irmãos, que alguns, sem o saberem, recebem anjos em casa! Então, não era isso verdade? Não estavam ali, os anjos, rezando de joelhos, louvando e adorando o Menino Deus?

E ficou-se ali, como quem fica entre o céu e a terra, o mesmo é dizer, contemplando uma doce cena do céu com os olhos da carne e os joelhos em terra! E quedou-se ali, caladinho, sem sequer fechar os olhos, não fossem as pestanas fazer ruído e espantarem os anjos!

(Calma, calma, pobre frei carmelita, pobre bichinho, que pensas tu, que os anjos são como pardais assustados? Que se dás um passos logo se espantam alvoroçados a refugiar-se numa nuvem? Não, nada disso, acalma-te e reza. Serena-te e contempla. Cala e adora também tu!)

E ali se ficou, na companhia dos anjos, adorando o doce Deus Menino! Mais tarde, terno explicou aos seus frades, que não mais lhe ocorreu pensar algo mais. Não que volvesse a temer que os anjos se espavorissem. Não, nada disso: apenas se lembrou que a oração não é coisa de muito pensar, ou muito falar, mas de muito amar.

E ali se ficou, como quem, confiado, se entrega.
Não sabe agora dizer, resumia ele, o tempo que ficou em adoração com os anjos. Sabe, sim, que envolvido naquela nuvem de luz, orou como quem ama e amou como quem gentilmente ora a Deus Infante. E depois, delicado e mansinho, saiu da igreja, pé ante pé, como quem sai de junto de um berço, sem perturbar o sono de um bebé! À saída teve um sobressalto, uma hesitação, talvez fosse melhor ir despertar alguém e fazê-lo descer à igreja para que testemunhasse as celestiais visitas. Mas logo concluiu que se, em segredo, os anjos tinham vindo adorar o Menino Jesus de Praga, em segredo deveriam regressar. E foi-se deitar.
De manhã voltou a entrar na igreja e, para espanto seu, as velas continuavam a arder, e nenhuma mais pequena que outra; antes pelo contrário, as que estavam curtas tinham crescido!

João Costa, ocd