Os textos evangélicos apresentam um manancial de personagens que, de tanto escutar as suas histórias, tornam-se tão próximas, tão presentes que passam a fazer parte da minha vida e por quem acabo por nutrir sentimentos especiais.

Como não sentir um carinho especial por Pedro? – Com as suas dúvidas, que o fizeram afundar enquanto caminhava em direção a Jesus; com o seu voluntarismo que o fazia responder a todos os desafios do Mestre sem pensar; com o seu medo que o levou a negá-lo três vezes; com a sua capacidade de se arrepender e de retomar o caminho, acreditando na redenção, em vez de desesperar.

Como não escolher o Bom Samaritano como modelo? – Aquele homem que não olhou à cor, à religião, às convenções sociais, a qualquer tipo de estereótipo e fez apenas o seu dever de Ser Humano, acudindo ao irmão que necessitava, porque percebeu que o que nos une não é a nacionalidade ou a crença mas a dignidade que todos merecemos por sermos criação de Deus, por partilharmos uma mesma Humanidade.

Como não sorrir com a surpresa da Samaritana? – Por um homem, um judeu, se dirigir a ela, mulher e samaritana, quebrando todos os preceitos do seu tempo; por ele, que conhecia toda a sua vida, não assumir uma atitude de reprovação mas parecer determinado em compreender o coração da mulher por detrás das ações, coração disposto a acreditar, transformando-a em missionária, que o vai anunciar.

Como não aprender com a humildade do Centurião? – Um homem que, conhecendo a bondade de Jesus e reconhecendo o seu poder não se sente suficientemente digno de o receber em sua casa mas confia que produzirá o milagre necessário.

Como não me comover com o gesto de Maria Madalena aos pés de Jesus? – Uma vez mais Jesus vai contra todas as convenções e não só aceita a proximidade de uma mulher pecadora, também ela agindo contra todos os costumes, como a perdoa e lhe dirige palavras de louvor pelo seu Amor.

Como não ter a esperança de, a cada vez que me afasto do caminho certo, ser recebida como o Filho Pródigo? – Aquele que decide tomar o destino nas suas mãos, confiando apenas nas suas forças; aquele que sente um vazio e vai à procura de aventuras; aquele a quem o pai permitiu a liberdade de errar. Também aquele a quem são abertos os braços, no regresso, porque teve a humildade de reconhecer o seu erro; aquele por quem se celebra, porque estava perdido e voltou a encontrar-se.

Mas, como não compreender o amuo do filho mais velho? – O que seguiu sempre as regras e se deixou ficar acomodado às vontades do pai. O que talvez tenha sentido que perdera uma parte da vida, por realizar o que se esperava dele. O que se sentiu injustiçado com a celebração, por ele próprio se sentir mais merecedor de tal gesto.

Entre estes companheiros e companheiras que me acompanham com o seu exemplo e me ensinam, em diferentes momentos da vida, lições distintas, há duas especiais – Marta e Maria, as irmãs de Lázaro. Como se sentiria Jesus ao regressar das suas viagens e ao poder repousar em Betânia, junto aos seus amigos? Sempre imaginei Betânia como um local de retiro para Jesus, um local onde ele se sentia em casa e podia descansar das lutas que travava. Com eles, Jesus terá partilhado ensinamentos, preocupações e desejos, planos para o Reino do Pai que queria levar pelo mundo. É pela morte de Lázaro, e seguramente pelo sofrimento que esta causou nas suas irmãs, que Jesus chora, numa cena de comoção única do Evangelho.

É entre estas irmãs que sucede uma cena que me toca particularmente. Um dia Jesus vai a casa delas e Marta apressa-se a preparar tudo para bem receber Jesus. Maria, senta-se aos Seus pés para O ouvir contar as Suas histórias que lhe enchem o coração. Todos já sabemos como se desenrola a cena – Marta queixa-se a Jesus por aceitar que Maria a deixe sozinha com todo o trabalho e Jesus, numa resposta algo inesperada repreende-a: «Marta! Marta! Andas inquieta e preocupada com tantas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada» (Lc 10, 41-42). O Evangelho nada diz sobre a sua reação, mas eu, amiga desta Marta – porque também muito Marta – consigo senti-la e compreendê-la: «Que ingrato me saíste, Jesus. Eu aqui preocupada contigo, a querer tomar bem conta de ti, e tu respondes-me assim. És bem injusto». Vejo e sinto toda esta cena na minha cabeça e no meu coração e ela incomoda-me, toca-me bem no fundo: «É preciso quem faça, Jesus, e tu bem o sabes. O que seria do Reino de Deus sem gente que trabalhe duro?». «Sim, é verdade» – oiço cá dentro – «é preciso quem faça. Mas também é importante que quem sirva encontre tempo e espaço para escutar, para refletir, para se encontrar, para encontrar alimento, e descobrir as razões que a movem, que a impelem. Se assim não for, corre-se o risco de esvaziar os gestos, de os tornar ocos, sem sentido, apenas um dever que se cumpre e nada mais. Maria não deve ficar com a alegria da Palavra apenas no seu coração, mas tu não te podes desmultiplicar em gestos exteriores sem te ancorares no calor do meu Amor. Nunca te esqueças que é ele que a tudo dá sentido!»

La Salete Coelho