Rui Belo, um dos bons poetas portugueses do século XX, escreveu um belo poema, de ressonâncias bíblicas, intitulado «O Homem dos Sonhos». Nesse poema, o homem dos sonhos é o poeta, mas Rui Belo foi buscar a comparação ao José do Antigo Testamento, aquele que soube interpretar os sonhos do faraó. Daí ter sido nomeado governador de todo o povo egípcio, tendo-se depois verificado que a sua interpretação do sonho das vacas gordas e das magras, das espigas cheias e das chochas, estava perfeitamente correcta.
Não podemos evitar a aproximação entre o José do Egipto e o nosso S. José, depois de lermos as palavras do Papa Francisco na convocação de um ano especialmente dedicado ao pai adoptivo de Jesus. Diz o Santo Padre que S. José é o homem que age também quando dorme, porque sonha o que Deus quer. E pede ao Senhor «que nos conceda a todos a capacidade de sonhar, porque quando sonhamos coisas grandes, bonitas, aproximamo-nos do sonho de Deus, daquilo que Deus sonha sobre nós. Que conceda aos jovens — porque ele era jovem — a capacidade de sonhar, de arriscar e de cumprir as tarefas difíceis que viram nos sonhos. E conceda a nós a fidelidade que em geral cresce numa atitude correta, cresce no silêncio e na ternura que é capaz de guardar as próprias debilidades e as dos outros».
De Nossa Senhora, os evangelhos ainda guardaram algumas palavras: o diálogo com o anjo da anunciação, as queixas que faz a Jesus quando ficou em Jerusalém, entre os doutores da Lei, as palavras proferidas nas bodas de Caná. De S. José, porém, não ficou uma única frase, uma única palavra. Conhecemos apenas alguns sonhos que ele certamente contou a Nossa Senhora que, por sua vez, os terá contado aos discípulos e redactores dos evangelhos. Mas não foram sonhos vagos, devaneios inúteis. Os antigos acreditavam que os sonhos eram uma forma de conhecimento verdadeiro e que, através deles, podia Deus comunicar com os homens. Daí que os sonhos o tenham levado a agir decidida e rapidamente, casando primeiramente com sua noiva Maria, estando ela grávida, e, depois do nascimento, salvando sua e nossa Senhora, o seu e nosso Menino, fugindo para o Egipto. Para além destes episódios absolutamente invulgares e bem reveladores da sua forte personalidade, a vida de S. José decorreu no maior silêncio e discrição, inteiramente devotado ao serviço amoroso do Menino e de sua Mãe.
Podemos facilmente imaginar como seria o seu quotidiano de carpinteiro. Não podemos imaginar menos do que um trabalhador aplicado e apostado na perfeição das suas obras, que levaria aos seus clientes o preço justo, que cumpriria prazos e orçamentos, que estaria sempre pronto a ajudar quem dele precisasse; um homem convivente e amável com os vizinhos, atento e respeitador dos desconhecidos. Um homem delicadíssimo e dedicadíssimo a sua esposa, sempre atento às suas necessidades, terno e respeitador da sua personalidade e da missão de mãe de Deus; um pai cuidador do seu Menino e seu Deus. Também ele, como Nossa Senhora, lhe prepararia as refeições, lhe daria de comer, o deitaria na cama, lhe cantaria alguma canção de embalar, lhe daria banho e o arranjaria. Não será inverosímil imaginar que brincaria com ele, lhe fabricaria brinquedos, lhe faria cócegas, o traria às cavalitas, como fazem todos os pais de todos os tempos, lhe daria a mão nos seus passeios e caminhadas, enfim, o cobriria de mimos.
A iconografia cristã representa Nossa Senhora ensinando o Menino a ler, mas com toda a certeza, S. José faria o mesmo. Ele o terá iniciado na leitura da Sagrada Escritura e lhe terá explicado o sentido do que lia. Por certo o iniciou na oração quotidiana, no cumprimento dos mandamentos, na prática religiosa. Se Jesus ia crescendo em graça e santidade, como dizem os evangelhos, também o deveu, por certo, ao exemplo e à palavra de seu pai adoptivo, ao ambiente sagrado da sua família.
Ocorreram-me estas reflexões a propósito da convocação de um ano dedicado a S. José que o Santo Padre Francisco acaba de fazer. A razão imediata dessa convocação é assinalar os 150 anos da declaração do santo como padroeiro da Igreja Universal feita pelo Papa Pio IX, em 1870. Mas outra razão haverá ainda que é a de intensificar a nossa devoção a essa figura excepcional a quem Deus entregou a responsabilidade de ser marido de Nossa Senhora e pai adoptivo do seu Filho, formando assim a Sagrada Família. Que ele, ao lado do Menino, abençoe as nossas famílias e as proteja das forças que pretendem destruí-las.
Assim como S. João Baptista foi considerado pelo próprio Senhor o maior de todos os profetas, assim também S. José deverá ser considerado o maior de todos os santos. De qual, dos que depois dele viveram, se poderá dizer que foi responsável pela vida de Deus feito homem e de sua mãe imaculada? Se sua esposa trouxe o Menino no ventre durante nove meses, ele o trouxe ao colo, o educou e sustentou. Que maior dignidade do que essa?
Luís da Silva Pereira